Durante o mês de outubro e começo de novembro, a produção do Verdade&Expressão solicitou a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Paraná, números de violência doméstica contra mulher, nos municípios de Almirante Tamandaré e Campo Magro.
E os resultados preocupam: nos períodos de janeiro a agosto, em Almirante Tamandaré, de 2015 (148) e 2016 (208) respectivamente, houve um aumento de 40,5%. No município de Campo Magro, a estatística é ainda pior: de 2015 (26) e 2016 (41), cresceu 57,6%. Os números definem qualquer tipo de violência doméstica (lesão corporal, ameaça, injúria, dano, vias de fato, furto simples, embriaguez, desobediência a decisões judiciais, constrangimento, estupro ou estelionato).
E o ano de 2017 ainda nem terminou: até o mês de agosto, foram apontados cerca de 156 casos em Almirante Tamandaré e 26 no município de Campo Magro. As ocorrências mais registradas no documento enviado por e-mail foi lesão corporal, ameaça e injuria.
No Brasil
– Em 2015, as mulheres adultas, com idade entre 20 a 59 anos, foram as que mais tiveram notificação de violência, com 98.200 situações, do total de 162.575 (60,4%).
– Violência de repetição (mulher agredida mais de uma vez): 35,2% dos casos.
– As naturezas mais comuns da violência: física (48,1%), psicológica/moral (23,6%) e sexual, na forma de estupro (8,3%).
– O meio mais usado na agressão foi a força corporal/espancamento (49,7%).
– O local onde mais ocorreu a violência foi a residência das vítimas (63%), seguido de via pública (12,7%).
– Entre as mulheres adolescentes e adultas, o principal autor da agressão foi o cônjuge/ex-cônjuge/namorado(a)/ex-namorado(a) (22,7% e 48,2% dos registros, respectivamente).
– O perfil de mortalidade revela que, das 567.456 mulheres vítimas de violência entre 2011 e 2015, 5.733 vieram a óbito por causas violentas.
– Do total de óbitos das mulheres, 19,9 % tinham história prévia de violência de repetição, com destaque para adultas (21,8%) e idosas (21,2%).
– O local em que mais ocorreu a violência que levou ao óbito foi a residência (63,4%), seguido de vias públicas (15,8%).
– As principais causas de morte foram espancamento (23,6% dos casos), arma de fogo (17,2%), objeto perfurocortante (16,1%) e enforcamento (15,4%).
– O levantamento mostra que, entre 2011 a 2015, a taxa média de feminicídio foi de 4,5 óbitos por 100 mil mulheres da população geral. Nas vítimas de violência notificada anteriormente, ou seja, que já haviam buscado atendimento em unidades de saúde por violência, a taxa de feminicídio é muito maior: 91,6 mortes por 100 mil mulheres.
– O MS conclui que “Os resultados deste estudo apontam que o risco de morrer por causas violentas nas mulheres que sofreram e que foram notificadas por violência foi maior do que na população feminina geral. As mortes podem ter relação direta ou não com a violência notificada, porém os resultados mostram que as mulheres que sofreram violência e foram notificadas vivem em condições de vulnerabilidade.”
* Dados do livro “Saúde Brasil 2015/2016”, que tem previsão de lançamento pelo Ministério da Saúde neste ano (retirado do site do Ministério Público do Paraná).
O que fazer?
Você já presenciou algum tipo de violência, sabe o que faria? A Secretaria de Estado e Família e Desenvolvimento Social orienta que o amigo / familiar / vizinho ligue para o 181, canal de denúncias do governo, do qual recebe ligações 24 horas, todos os dias da semana. Lembrando que o relato da pode ser feito por qualquer pessoa (mantendo o sigilo da identidade do denunciante) via internet, por meio do http://www.denuncia181.pr.gov.br.
A SEDS orienta também que nos municípios onde não há Delegacia da Mulher (neste caso, Almirante Tamandaré e Campo Magro) que a mulher em situação de violência poderá registar o boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia local. O registro só pode ser feito pela vítima ou representante legal, se ela for incapaz (adolescente ou com deficiência mental, por exemplo).
De acordo com a SEDS, as denúncias recebidas pelo Disque 181 são encaminhadas para a Polícia Civil ou Polícia Militar. A queixa chega ao setor especializado da delegacia, onde é verificado se a pessoa citada (vítima) já registrou Boletim de Ocorrência (BO). Confirmando-se o registro, a denúncia é juntada ao boletim já existente e segue para as próximas etapas. Se não houver um BO registrado referente aquele fato, entra em contato com a vítima e, verificado a violência, ela é orientada a ir até a delegacia para fazer o BO. Se não for constatada nenhuma forma de violência a denúncia é respondida e arquivada.
Quando a vítima busca auxílio diretamente na delegacia é registrada a ocorrência, a ofendida e as testemunhas são ouvidas, e é colhido o depoimento do agressor (no caso de autoria conhecida). Caso a autoria seja desconhecida, será emitida uma ordem de serviço para identificá-lo e intimá-lo a comparecer à delegacia, e assim dar seguimento ao inquérito. Se o delegado tiver indícios suficientes poderá solicitar o pedido de prisão (cautelar) do investigado. Quando houver necessidade da concessão de medidas protetivas de urgência, o pedido deve ser enviado ao juiz no prazo de 48 horas.
Políticas Públicas
Segundo a SEDS, o governo tem desenvolvido programas e ações de combate à violência, entre elas estão o fortalecimento e ampliação da rede de atendimento à mulher, fundamentais para assegurar a proteção e o apoio que elas precisam. Ações também para apoiar e orientar a mulher, oferecendo meios para que ela alcance sua autonomia financeira e psicológica para sair do ciclo de violência.
Em 2013, o Paraná renovou a participação no Pacto Nacional para Enfrentamento da Violência contra as Mulheres, e, desde então, importantes conquistas ajudaram a fortalecer a rede de proteção das mulheres. Entre elas estão a regulamentação do Conselho Estadual da Mulher (2013) e a aprovação do Plano Estadual de Políticas para as Mulheres (2015). Das 20 Delegacias da Mulher do Paraná, seis foram instaladas pelo Governo do Paraná a partir de 2011. Para sistematizar as atividades e padronizar procedimentos, foi estruturada a Coordenadoria das Delegacias da Mulher (Codem) no Estado e entregue 27 veículos para uso das unidades.
A rede de atendimento que conta com sete Centros de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) acolhem as mulheres vítimas de violência, oferecendo atendimento psicológico, social e encaminhamentos jurídicos. Existe ainda a Casa da Mulher Brasileira, em Curitiba, que concentra os principais serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência.
O trabalho preventivo é feito nos 567 Centros de Referência em Assistência Social (Cras) do Estado, onde elas participam de grupos para fortalecer os vínculos familiares e comunitários e são encaminhadas para serviços públicos de saúde, educação, trabalho, assistência social. As famílias onde foram identificadas vítimas de violência são encaminhadas para um dos 180 Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), onde recebem apoio, orientação e acompanhamento especializado. Desde 2015, duas unidades móveis percorrem os municípios paranaenses para levar orientação e serviços de assistência social às mulheres que vivem nas áreas rurais e mais distantes. O serviço já fez 5.400 atendimentos.
Ainda segundo a nota do SEDS, a secretaria atua por meio do programa Família Paranaense, que articula ações de diversas áreas, como saúde, habitação, educação, assistência social, geração de emprego e renda. As mulheres que sofrem qualquer tipo de violência são priorizadas em ações de acompanhamento familiar e visitas domiciliares. Desde que foi criado em 2012, o programa atendeu mais de 275 mil famílias nos 399 municípios do Estado, e 72 mil mulheres foram acompanhadas.
A Prefeitura Municipal de Almirante Tamandaré, por meio de nota, diz que estão sendo lançados trabalhos periódicos e campanhas de orientação sobre a violência doméstica, incluindo ações teatrais para a população; lembrando que no começo do ano, o Governo Municipal assinou um acordo que prevê a criação da Lei de Implantação do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Por último, a Casa Rosa está sendo criada em parceria com a Polícia Militar, para atendimento exclusivo (do jurídico ao psicológico) nos casos de violência contra mulher, adolescentes e crianças.
Lei Maria da Penha
A farmacêutica Maria da Penha, que dá nome à lei que pune violência doméstica e familiar, criticou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 07/2016, que altera a norma, e pediu que o presidente Michel Temer vete as mudanças. Aprovado no Senado, a proposta aguarda sanção presidencial.
Maria da Penha alerta que as alterações propostas pelo deputado Sergio Vidigal (PDT-ES) podem ter sua constitucionalidade questionada e provocar um retrocesso no combate à violência contra a mulher. “Mudanças casuísticas na lei Maria da Penha colocam em risco uma proposta que foi construída com o acúmulo das lutas dos movimentos de mulheres há mais de 40 anos e com minha própria história de vida. Por isso, eu peço, senhor Presidente Michel Temer, não sancione o PLC 07/2016”, afirma a ativista, em nota.
O PLC 07/2016 permite ao delegado de polícia conceder medidas protetivas de urgência às mulheres que sofreram violência e a seus dependentes, uma prerrogativa que hoje é exclusiva dos juízes. A autoridade policial deverá comunicar a decisão ao juiz e também consultar o Ministério Público em até 24 horas, de acordo com a proposta, para definir pela manutenção da decisão.
Entre as medidas que podem ser aplicadas em caso de violência, estão a proibição de o agressor manter contato ou se aproximar da vítima, de seus familiares e das testemunhas, vetando-o de frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da agredida, e o encaminhamento da mulher à rede de apoio às vítimas de violência.
“Que sejam destinados mais recursos orçamentários para as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar, que profissionais do sistema de Justiça sejam capacitados, que as medidas protetivas sejam garantidas sem entraves burocráticos e efetivadas políticas de prevenção e assistência especialmente às mulheres negras e pobres e àquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social”, sugere Maria da Penha.
Entidades
A rejeição às mudanças na lei também é defendida por organizações de defesa da mulher. “Nós, mulheres que trabalhamos na proposta original, queríamos realmente garantir às mulheres o acesso à Justiça, que é uma garantia prevista não apenas na Constituição, mas especificamente no caso das mulheres, em convenções internacionais das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos [OEA]”, explica Leila Linhares Barsted, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e uma das redatoras do texto da Lei Maria da Penha.
Já a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) alerta que a alteração na Lei Maria da Penha é ilegal. A associação aponta que a decisão por medidas protetivas de urgência “é uma grave ingerência nos direitos fundamentais do investigado”.
Reportagem Especial e Cálculo: Pedro Lima.
Informações e Números: Secretaria de Segurança Pública do Paraná, Prefeitura Municipal de Almirante Tamandaré, Secretaria Estadual da Família e Desenvolvimento Social, Ministério Público do Paraná e Agência Brasil.
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