Faltando pouco menos de seis meses para a Paralimpíada de Tóquio, no Japão, o maior nome do paradesporto brasileiro está sem treinar. Dono de 24 medalhas (14 de ouro), o nadador Daniel Dias não está contundido ou doente, mas a precaução com a pandemia global do novo coronavírus (covid-19) obrigou-o a pausar a preparação. “Agora, temos um decreto da Prefeitura de Bragança Paulista (SP) e meus treinos estão suspensos por tempo indeterminado. Estamos com a atenção redobrada em casa, é claro”, explicou Daniel à Agência Brasil.
O nadador, que normalmente utiliza a piscina pública da cidade em que mora com a esposa e os três filhos, teria como opção a estrutura do Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, onde os demais companheiros de seleção brasileira trabalham diariamente. Teria, porque o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) fechou a instalação, pelo menos até 5 de junho, também em razão do avanço do coronavírus em território brasileiro. Além da natação, as equipes de atletismo e tênis de mesa tiveram os treinos cancelados no local.
Situação semelhante à de Daniel é a dos atletas da equipe Fast Wheels, da qual fazem parte a recordista mundial no lançamento do disco Beth Gomes e a maratonista Vanessa Cristina, eleita a melhor atleta paralímpica das Américas em fevereiro. O projeto, realizado no litoral paulista, teve de suspender as atividades “seguindo as diretrizes das prefeituras municipais da região (Santos e Praia Grande)”, conforme postagem em uma rede social. Sem o CT da capital à disposição, o jeito foi interromper de vez os treinos.
Técnico da Fast Wheels, Eduardo Leonel explica que, antes da paralisação, a equipe já tentava adaptar a rotina para minimizar o risco de contaminação. “Trabalhamos com atletas com deficiência. Alguns tem imunidade mais baixa, tomam medicamentos. Aos atletas que utilizam transporte público, tínhamos deixado a frequência mais flexível, além de procedimentos nos treinos”, conta. à Agência Brasil.
A dificuldade, ou impossibilidade, de treinar é mais uma baixa na preparação dos atletas para Tóquio. Até a última quinta (12), segundo o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês), 42 competições paralímpicas, incluindo oito de esportes de inverno, já estão suspensas até maio, entre eventos-teste e torneios qualificatórios. “[O planejamento] já está sendo afetado em muitos países e devemos passar pela mesma coisa. O atleta precisa ter ritmo de competição, isso faz parte do treinamento. E agora, sem a rotina de piscina e musculação, ficará um pouco mais difícil”, lamenta Daniel.
Manutenção de datas não convence
Apesar disso, o discurso das autoridades japonesas, reforçado nesta terça, é de que os Jogos ocorrerão conforme o programado, com a Olimpíada agendada para 24 de julho a 9 de agosto e a Paralimpíada entre 25 de agosto e 6 de setembro. Já o Comitê Olímpico Internacional (COI) reafirmou, em nota assinada pelo presidente Thomas Bach, que “não há necessidade” de adiamento dos Jogos.
Otimismo que não encontra ressonância entre atletas e técnicos. “Não sabemos o que vai acontecer. Não adianta [o covid-19] melhorar apenas no Japão, é preciso que ele seja controlado no mundo”, diz Leonel. “O planejamento fica às cegas. Com os cancelamentos, perdem-se eventos de controle de treinamento, de referência. Agora, enfrentamos o fechamento de locais de treino. Os atletas terão que treinar de casa, precisaremos adaptar para que continuem a preparação, pois não sabemos quando volta o calendário”, emenda.
“Acredito que há muita coisa a ser decidida. Sabemos que as autoridades responsáveis estão pensando a respeito e a decisão será pensando no melhor para o esporte, para os atletas, em tudo. Claro que para dizer se é correto ou não [adiar os Jogos], as decisões precisam ser tomadas a partir do momento que não prejudique o espetáculo, o atleta e nenhuma família”, opina Daniel.
Israel, por sua vez, reprova o discurso dos organizadores. “O mundo está parado, assustado, não há certeza nenhuma do que acontecerá. Ainda que eles tenham mesmo a certeza [de que é possível realizar os Jogos na data prevista], deveriam mostrar ao público que há uma segunda possibilidade, que mesmo com um desvio de data, serão grandes Jogos do mesmo jeito. Talvez, se o discurso fosse mais próximo do que a gente vê no noticiário, os atletas estariam mais tranquilos, até porque estar tranquilo é prioridade no momento”, comenta. “Com tantos eventos suspensos, é improvável que isso não afete o cronograma. Acho que a organização poderia ser mais pé no chão e menos orgulhosa”, completa, à Agência Brasil.
Por enquanto, o IPC tem se manifestado por meio de boletins semanais, publicados às quintas-feiras. No último, diz que o planejamento para realização dos Jogos continua inalterado e que está em contato com federações e comitês nacionais para analisar eventuais mudanças nos critérios de qualificação, dimensão de quantos ainda precisam obter índices e priorizar a classificação funcional (que define se o atleta é elegível para o movimento paralímpico e qual sua categoria físico-motora, visual ou intelectual) de quem já tem vaga garantida no Japão.
A expectativa é que os detalhes desses contatos sejam divulgados no boletim da próxima quinta (19). Enquanto isso, reinam dúvidas. O CPB, por exemplo, tinha determinado prazos e competições para obtenção de índices para Tóquio, que precisaram ser suspensos “considerando a pandemia de covid-19, o calendário internacional majoritariamente cancelado, a incerteza da realização dos Jogos na data programada e a imprevisibilidade das consequências provocadas pelo covid-19”, conforme nota enviada à Agência Brasil. “Tão logo surja qualquer certeza, (…) tomaremos todas as medidas para a melhor representação do Brasil neste que, esperamos, deve ser o maior evento do corrente ciclo”, conclui.
Agência Brasil.
Imagem: Ale Cabral.
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