Para garantir o efetivo cumprimento do sigilo previsto em lei em casos que envolvem crianças e adolescentes, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), por meio da promotora de Justiça plantonista, do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude e da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Mateus, ingressou no domingo (16/08) com uma ação na Justiça requerendo junto ao Facebook, Twitter e Google o fornecimento de dados e registros eletrônicos e a remoção urgente de conteúdos da internet.

O principal objetivo da ação foi a retirada de um vídeo publicado em um perfil do Instagram, bem como na página do Twitter, divulgando informações de um caso que corre em segredo de Justiça na Comarca de São Mateus, envolvendo uma criança vítima de estupro. O caso ganhou ampla repercussão.

A Justiça acolheu a ação e determinou liminarmente a indisponibilidade do conteúdo vinculado à postagem em até 24 horas.

Ao acolher os pedidos do MPES, ainda no domingo, o juiz de plantão destacou que “a liberdade de expressão não pode ser exercida sem responsabilidade e de forma desmedida, pois a sobredita Lei Maior veda a violação ao direito à intimidade e imagem da menor, bem como prevê o dever de reparação e responsabilidade por manifestações que não observam a necessária proteção da imagem e intimidade da menor, como ocorre no caso dos autos”.

De acordo com dados obtidos na apuração preliminar do MPES, o vídeo está sendo compartilhado em um perfil no Instagram, no qual a pessoa nomeia explicitamente uma criança que vem sendo acompanhada pela Vara da Infância e Juventude de São Mateus, por ter sido abusada sexualmente. A conduta dessa pessoa resulta em intensa audiência por meio da prática de ilícito, ante a lesão a direitos da personalidade dos envolvidos e ao sentimento coletivo de necessária preservação da imagem da criança.

No documento, o MPES ressalta ainda que a mesma pessoa publicou no domingo (16/08/20) um vídeo no YouTube, mas que ele foi retirado do ar pelo site, em decorrência das múltiplas denúncias dos usuários dessa plataforma. Ocorre que, no Instagram e no Twitter, conforme documentos anexados ao processo, a publicação ainda continua no ar, devendo, portanto, ser retirada de circulação.

Há legitimidade do Ministério Público para atuar no caso, pois as hipóteses previstas no art. 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente “não excluem da proteção judicial outros interesses individuais, difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei” (art. 208, § 1º), inclusive a pretensão compensatória decorrente de dano moral coletivo (REsp 1517973/PE, Quarta Turma, j. 16/11/2017).

Esse tipo de conduta no ambiente cibernético viola o dever, previsto constitucionalmente, “da sociedade assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito […] à dignidade, ao respeito, […], além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227, caput, da Constituição Federal). Além disso, por força de norma supralegal, crianças e adolescentes não podem ser “objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação” (art. 16, 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada pelo Decreto nº 99.710/1989) e “têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (art. 15 do Estatuto da Criança e do Adolescente).

O MPES argumenta que o direito fundamental ao respeito inclui a “inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem” (art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente), tanto que a  Lei nº 13.431/2017, ao estabelecer o específico sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente, exige que eles devem “ter a intimidade e as condições pessoais protegidas quando vítima ou testemunha de violência” (art. 5º, III,).

Tais vítimas também são tuteladas pela Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), pois o seu uso deve estar fundado no dever de respeitar “os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais”, além da “finalidade social da rede” (art. 2º, II e VI), com expressa previsão de responsabilidade do provedor de aplicação caso, “após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo” (art. 19, caput).

O art. 22 do Marco Civil, por sua vez, prevê a possibilidade de a parte requerer, em “processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo”, que a autoridade jurisdicional “ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet”.

Por isso, o MPES requer, sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 50 mil, o fornecimento, no prazo de 24 horas, das informações detalhadas do que foi publicado nas redes sociais da pessoa dona do perfil (Instagram, Twitter e YouTube), contendo todos os dados cadastrais disponíveis; endereços de IP de criação da conta alvo; registros de acesso (“IP logs”), e, no mesmo prazo, seja realizada a indisponibilização do conteúdo vinculado às postagens e do que foi gerado a partir dos compartilhamentos. Requer também que o Google, responsável pela plataforma de vídeos YouTube, abstenha-se de voltar a publicar o vídeo que, por ora, encontra-se indisponível. Além disso, pede a decretação do segredo de Justiça no procedimento.

Atuação

O MPES, por meio das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude e da Criminal de São Mateus, informa que acompanha e atua desde o início no caso visando à proteção, saúde e resguardo dos direitos da vítima. Após receber representação do delegado pedindo a prisão preventiva do acusado de ter cometido o estupro, o MPES manifestou-se favorável à prisão, acolhida pelo Judiciário.

Informa ainda que todas as medidas para preservar e proteger a intimidade da criança devem ser tomadas, sob pena de responsabilização. Lembra que, por força da legislação da infância e juventude, casos que envolvem incapazes, crianças e adolescentes devem ser mantidos em total sigilo, cuja violação constitui ilícito civil e criminal.

ASCOM – MPES.

Imagem: Lissa de Paula.

guazelli

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