Debatedores pediram que indígenas que vivem em áreas urbanas também tenham prioridade na vacinação contra Covid-19, em debate na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira (19), data em que se comemora o Dia do Índio. A audiência pública foi promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias em conjunto com a Frente Parlamentar Mista dos Direitos dos Povos Indígenas.
A deputada indígena Joenia Wapichana (Rede-RR), que pediu o debate, disse que a situação dos povos na pandemia é crítica. “Desde o início, já foram contabilizados 52.494 mil casos confirmados, com 1.039 indígenas mortos e 163 povos afetados pela Covid-19, segundo dados do Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena”, destacou.
Ela lembrou que o Plano Nacional de Imunização (PNI) do governo federal contra a Covid-19 exclui os povos indígenas que vivem fora de suas aldeias – ou seja, aqueles que moram em áreas urbanas e áreas em processo de demarcação. Segundo censo do IBGE de 2010, dos 896,9 mil indígenas que viviam no Brasil, 57,7% estavam em terras indígenas e 42,3% fora delas.
Decisão do Supremo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinou, em 16 de março, que o governo priorize também a vacinação de indígenas que moram em cidades e em territórios não homologados que sofram “barreira de acesso ao SUS [Sistema Único de Saúde]”. Joenia Wapichana disse que muitas secretarias municipais e estaduais de saúde aguardam a regulamentação pelo governo federal da decisão do STF para colocá-la em prática.
O procurador da República Gustavo Kenner Alcântra, membro do Grupo de Trabalho Saúde Indígena do Ministério Público Federal, afirmou que a decisão do Supremo deveria ter sido mais clara e que há dificuldade de acesso ao sistema de saúde por todos os indígenas. Segundo ele, aqueles que vivem em áreas urbanas continuam não sendo vacinados de forma prioritária em âmbito nacional. “Há um equívoco em excluir esses grupos porque eles estão igualmente em situação de vulnerabilidade social”, salientou.
Alcântara explicou que a vinculação da identidade indígena à territorialidade deve ser usada para fins de ampliar direitos, mas não para restringir. “Você não pode utilizar a territorialidade como aspecto de redução da identidade. Se o indígena sai do seu território, muitas vezes com uma ligação que permanece tão ou mais forte com aquele território, isso não pode ser utilizado como critério para excluir”, avaliou.
Conforme o procurador, muitas vezes os indígenas saem de seus territórios justamente para ampliar a luta por direitos. Ele destacou a necessidade de se reforçar a campanha de vacinação entre os povos e observou que a proliferação de fake news entre indígenas está prejudicando a vacinação.
Porta aberta para o vírus
Douglas Rodrigues, do Projeto de Xingu, destacou que grande parte dos indígenas em áreas urbanas – cerca 40% do total – mantêm relações estreitas com sua comunidade. “Deixá-los de fora do plano de vacinação é deixar uma porta aberta para a entrada do vírus nessas comunidades”, ressaltou. Ele apontou ainda a queda da cobertura vacinal na segunda dose da vacina contra a Covid-19.
Elaine Moreira, da Comissão de Assuntos Indígenas da Associação Brasileira de Antropologia, disse que o conceito de indígenas aldeados e não aldeados deve ser abandonado, porque não expressa a realidade dos povos hoje. Conforme ela, a prioridade para indígenas na vacinação deve levar em conta a vulnerabilidade biológica e social.
Mortalidade maior
Ana Lucia Pontes, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, apresentou dados compilados pela entidade mostrando que a mortalidade de indígenas por Covid-19 é maior do que a de não indígenas.
Antônio Eduardo Cerqueira, do Conselho Indigenista Missionário, afirmou que a desarticulação do Programa Mais Médicos retirou médicos das aldeias, precarizando mais a saúde indígena. “Quando a Covid-19 chega pega as comunidades desprovidas desse atendimento e dessa atenção”, disse. “A Covid se soma ao contexto de violência às suas vidas e a seus territórios”, completou. Segundo ele, a presença de invasores, como garimpeiros, sem que nada seja feito pelo governo, contribui para a contaminação dos povos.
Para Cerqueira, a pandemia evidencia a vulnerabilidade das comunidades. “Nessas aldeias não há água potável, e as habitações são precárias. O atendimento aos doentes é insuficiente, faltam profissionais de saúde, atendimento médico e transporte. Muitas das comunidades passaram a ser assoladas pela fome”, acrescentou.
Dinaman Tuxá, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), reiterou que os indígenas sofrem hoje um cenário desolador. “Pela ação e omissão do Estado brasileiro, a pandemia foi potencializada. Essa potencialização ocasionou danos irreversíveis. Temos número de indígenas mortos bastante elevado, temos políticas que não foram implementadas, sofremos com a escassez de alimentos e com o impacto econômico da pandemia.” De acordo com ele, não há possibilidade de escoamento da produção de artesanato, por exemplo, e muitos indígenas não tiveram acesso ao auxílio emergencial do governo, porque não têm acesso à internet para fazer cadastro.
Votação
No debate, a deputada Joenia Wapichana defendeu a votação, com urgência, pelo Plenário da Câmara, do projeto de lei de sua autoria (PL 3514/19) que regulamenta as profissões de agente indígena de saúde e de agente indígena de saneamento, no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena.
Agência Câmara de Notícias.
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