O ministro do Turismo, Gilson Machado, confirmou, em debate na Câmara dos Deputados, que seu ministério elaborou uma proposta de decreto para proibir redes sociais de excluir contas e conteúdos postados por usuário sem decisão judicial. Hoje, a exclusão é permitida quando as publicações e perfis ferem as normas contratuais da empresa.

Deputados de diferentes partidos criticaram a minuta de decreto, na audiência promovida pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle, nesta quarta-feira (23), e afirmaram que o assunto só pode ser regulado por lei.

Segundo Gilson Machado, a minuta, que tramita agora nos ministérios da Justiça e de Ciência e Tecnologia, visa garantir a liberdade de expressão do cidadão e evitar arbitrariedades por parte das chamadas big techs. Ele afirma que a norma não inova em relação ao que dispõe o Marco Civil da Internet — principal lei sobre a rede —, apenas regulamenta a lei.

“A proposta de regulamentação do Marco Civil da Internet ainda está sendo tratada dentro do governo, e o texto ainda não está concluído, estando aberto ainda a alterações ou até a alguma ideia que os senhores tenham. Eu aceito propostas para que a gente nunca perca o nosso direito à liberdade de expressão”, afirmou.

Assunto de lei
Mas o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que propôs a realização do debate, avalia que o assunto precisa estar em lei ou medida provisória, e não em decreto. “Vocês não estariam extrapolando a competência regulamentar, legislativa de vocês próprios? E nesse sentido eu trago um parecer da Advocacia-Geral da União, contrário, que sugere expressamente que essas alterações propostas na portaria sejam feitas via lei, vocês conhecem esse parecer?”, perguntou.

Kataguiri questionou ainda se o decreto não fere a Lei de Liberdade Econômica, que dá às empresas liberdade de atuação, cumpridas as cláusulas contratuais. Segundo ele, vários trechos da minuta de decreto falam da necessidade de decisão judicial para a retirada de conteúdos, o que criaria mais demanda na Justiça, sem previsão orçamentária para isso. Ele destacou que o decreto é elaborado sem transparência e sem participação da sociedade civil, ao contrário do que ocorreu na discussão do Marco Civil da Internet, que contou com ampla participação social.

Para o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), a Justiça, que já é congestionada, “vai virar fiscal de timeline do Facebook e dos conteúdos do YouTube”. Ele afirmou que o decreto “inverte a lógica do Marco Civil da Internet e se disfarça de liberdade de expressão, e ainda sobrecarrega o Judiciário”. Ele aponta também que o decreto viola as leis de liberdade econômica e de responsabilidade fiscal ao criar despesas sem a correspondente receita.

Proteção de contas e posts
Secretário Nacional de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual do ministério, Felipe Carmona informou que partiu da secretaria a minuta do decreto, com o objetivo de garantir a proteção intelectual das publicações na internet. Ele acredita que o parecer da AGU não inviabiliza o decreto, mas sugere que a norma poderia ser feita por medida provisória ou por lei.

De acordo com o secretário, as redes sociais retiram conteúdos sem dar o direito de defesa ao usuário. “Hoje, quando as big techs cerceiam sua fala, elas não falam claramente por quê. Elas podem falar que é discurso de ódio, mas você não consegue se defender. Cautelarmente retiram o seu conteúdo, cerceando seu direito de fala”, afirmou.

Para Carmona, se um usuário diz, por exemplo, que a terra é plana, isso não pode ser classificado como fake news. “A opinião não deve ser cerceada.” Para ele, o poder de retirar conteúdo ou de decidir o que é ou não fake news não pode ser dado às big techs, empresas privadas que têm monopólio de mercado. Ele acredita que o poder de analisar os conteúdos deve ser do Estado – em âmbito administrativo ou judicial. Conforme Carmona, pela norma que está sendo elaborada, as big techs podem retirar, sem decisão legal, posts relacionados a incitação a crimes como terrorismo e pedofilia.

O secretário de Cultura, Mário Frias, reiterou que muitas páginas e perfis estão sendo retirados da internet pelas empresas, causando prejuízos a pessoas que têm em seus perfis o seu ganha-pão. “Nenhuma big tech é superior à democracia deste País”, falou.

Discursos de ódio
Já o deputado Leo de Brito (PT-AC) acredita que o decreto viola o Marco Civil da Internet. Segundo ele, a liberdade de expressão não é absoluta e obedece a marcos civilizatórios, como a Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). “A internet não é terra sem lei, ela não pode ser espaço para a reprodução de racismo, de machismo, de xenofobia, de fake news, de desinformações. Tem gente morrendo no País por conta de fake news, porque não tomaram vacina”, salientou. Para ele, a ciência deve ser respeitada nas redes sociais – por exemplo, a convenção de que a Terra é redonda.

O parlamentar pediu que, na elaboração do decreto, sejam ouvidas entidades que tratam do tema, como a Coalizão de Direitos na Rede, que reúne mais de 40 organizações da sociedade civil. A Coalizão emitiu nota sobre o decreto, que aponta possível crescimento de discursos de ódio e desinformação na internet com a norma. Conforme a entidade, ao estabelecer que qualquer exclusão de publicações ou suspensão de contas deverá ser feita por decisão judicial, o decreto não permitiria a retirada de comentários abusivos de leitores sem decisão da Justiça. Além disso, o site Wikipedia só poderia excluir mentiras de verbetes por via judicial.

O deputado ressaltou ainda que a norma delega à Secretaria de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual poder de fiscalização, que a tornaria na prática “um controlador da internet no País”. Ele lembrou ainda que as plataformas são privadas, e no momento em que o usuário entra nas redes está concordando com essas políticas. E pediu que o assunto seja debatido no âmbito da discussão do PL das Fake News (2630/20), que vai ser debatido em comissão especial da Câmara.

Poder das empresas
A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), por sua vez, acredita que a retirada do conteúdo não tem que ser decidida pela big tech. A parlamentar acusou plataformas de excluírem opiniões dela das redes e disse que a liberdade econômica não pode estar acima da liberdade de expressão. Ela afirmou que médicos discordam, por exemplo, sobre vacinas e tratamento precoce para Covid-19, e que há divergência na ciência sobre diferentes temas.

“Eu também acredito que a Terra é redonda, mas quem acredita que a Terra seja plana vai até a ponta e cai, quem vai morrer é ele. Se a pessoa acha que a Terra é plana, isso não prejudica ninguém”, opinou.

Agência Câmara de Notícias.

guazelli

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