O ministro da Educação, Milton Ribeiro, compareceu à reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (17) e negou interferência do governo nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Mas deputados da oposição reiteram as acusações de ingerência ideológica no exame.
A comissão discutia quatro requerimentos de convite ou convocação do ministro para explicar a declaração do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que o Enem terá a “cara do governo” e os pedidos de exoneração de funcionários do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (Inep), responsável por elaborar e organizar o Enem. Mas o ministro chegou à comissão espontaneamente antes que os requerimentos fossem votados.
“O Enem tem a cara do governo, no sentido de competência, honestidade, seriedade, essa é a cara do governo, é a cara do nosso governo. Nós não temos nenhum ministro preso, nós não temos nenhum caso de corrupção, é isso que é importante”, disse Milton Ribeiro.
“Com relação à prova do Enem, a possibilidade de qualquer interferência está totalmente fora da história, fora de contexto”, garantiu o ministro, ressaltando que, por uma questão de hierarquia, ele podia ter pedido acesso às provas, mas não o fez.
“Eu não posso achar anormal o ministro da Educação ter acesso, mas eu abri mão disso, considerando as polêmicas que poderia gerar. Em nenhum momento, houve interferência na qualidade e na quantidade, porque essas questões fazem parte de um banco de questões que já havia sido preparado em outras gestões. Nós só tivemos uma comissão que escolheu as questões”, completou.
O ministro pediu “paciência” aos deputados para verificar as questões após a realização das provas, marcadas para os dias 21 e 28 de novembro, e se ofereceu para voltar à comissão depois disso caso, seja apontada alguma questão ideológica no Enem.
Segundo ele, o exame vai ser técnico, mas não vai ter questões peculiares a guetos ideológicos. “A hora que eu coloco questões que são peculiares a determinados guetos ideológicos ou pensamentos numa prova do Enem que atinge 3 milhões, 4 milhões, 5 milhões, eu estou dando uma primazia para um grupo que está acostumado a uma determinada linguagem e prática em detrimento de uma grande maioria do povo brasileiro, que não conhece esse tipo de linguajar e palavras-chaves”, afirmou.
Exoneração de servidores
Nos últimos dias, 37 servidores pediram exoneração de seus cargos em comissão no Inep, alegando fragilidade técnica e administrativa na gestão e inaptidão do presidente do órgão, Danilo Dupas. Também foram relatados casos de assédio moral por parte dele.
O ministro, no entanto, atribuiu os pedidos de exoneração a um “ruído” em relação ao recebimento da chamada Gratificação por Encargo de Curso ou Concurso (GECC) pelos servidores que elaboram as provas do Enem.
De acordo com o ministro, esses servidores recebem salário, gratificação por Direção e Assessoramento Superior (DAS) e a GECC. Ribeiro explicou, porém, que existem alguns servidores cuja função e descrição dos cargos que exercem já contempla a montagem da prova. “A que título deveriam ganhar mais R$ 40 ou R$ 50 mil anuais do erário público somando-se a seus salários?”, questionou. Segundo ele, em média, esses servidores ganham R$ 36 mil anuais de GECC, mas alguns chegaram a receber R$ 70 mil ao ano.
“A parte mais doída do ser humano é o bolso. Se estivessem de fato interessados na educação, após o Enem me procurariam ou fariam um movimento, mas não agora”, criticou. “Tentaram colocar em risco a realização do Enem, que graças a Deus vai acontecer com toda a segurança”, garantiu Milton Ribeiro.
Ele informou que foi instalada no Inep uma diretoria de governança para averiguar quem deve receber a GECC e que só vai avaliar os pedidos de exoneração após as provas.
O deputado Professor Israel Batista (PV-DF) acusou o ministro de desviar o assunto. Segundo ele, o foco da questão não é a gratificação. “Senhor ministro, por que o presidente do Inep, durante a montagem das provas do Enem, criou uma comissão de montagem paralela, com pessoas sem experiência nessa atividade, e por que, quando tivemos acesso à lista sugerida, o presidente resolver amputar a ideia, tirar e voltar atrás?”, perguntou.
“O que a gente quer saber é por que no dia 2 de setembro de 2021 um agente da Polícia Federal entrou no ambiente seguro do Inep para realizar uma vistoria sem o conhecimento dos gestores do ambiente e da diretoria, que estava usando o ambiente para montagem das provas do Enem. Não inventa GECC, ministro, é disso que estamos falando”, completou Israel Batista.
Troca de questões
Diversos deputados questionaram o ministro se houve troca de questões do Enem. “O que vem se falando aqui é que 24 questões foram retiradas, 13 foram reincluídas e 11 foram eliminadas”, disse o deputado Ivan Valente (Psol-SP), citando matérias jornalísticas com essas informações.
“Eu não participo diretamente da escolha das questões. A sala onde é feita a escolha das questões do Enem é secreta, só algumas pessoas podem ter acesso. A entrada de um policial federal nesta sala se deveu a um aumento de espaço que nós fizemos, estava muito apertada. O polícia federal não foi olhar questões. A seleção de questões é feita pela diretoria própria, de maneira colegiada. Foram eles que decidiram”, respondeu o ministro.
“Quero reafirmar que nós não tivemos acesso a nenhuma questão, nós não pedimos para retirar ou colocar nada, nem eu nem o presidente da República, nem o presidente do Inep”, reforçou Ribeiro acrescentando que o presidente do Inep autorizou a presença da PF no órgão.
Ingerência ideológica
O líder do PSB, Danilo Cabral (PE), afirmou que o ministro subestima a inteligência dos parlamentares ao tentar a reduzir a crise no Inep à questão da gratificação.
“Ontem, nós demos entrada em representação no Tribunal de Contas da União para que instale auditoria para verificar as denúncias que foram apresentadas pelos servidores de assédio moral, quebra do sigilo, vazamento de informações, controle político ideológico da instituição e do Enem, precariedade na gestão técnica e de eficiência do ponto de vista da logística, e pedimos de imediato o afastamento do presidente Danilo Dupas”, informou o líder.
A intenção, segundo ele, é reestabelecer a normalidade no Inep antes das provas do Enem. Cabral disse ainda que entrou com representação no Ministério Público Federal para apurar indícios de prática de improbidade administrativa por parte do ministro. “Vossa Excelência disse que não teve ingerência político-ideológica, mas no dia 3 de junho o senhor, em entrevista à CNN, disse que queria ter acesso antecipado à prova do Enem para evitar o que definiu como questões de cunho ideológico”, alegou, citando ainda as declarações do presidente da República de que o Enem teria a cara do governo.
“O que é uma prova ter a cara de um governo? É não abordar questões de gênero? É não abordar questões relativas à consciência negra?”, perguntou a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), solicitando em seguida que a Comissão de Educação faça uma diligência no Inep.
A presidente da comissão, deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), informou que foi criado um grupo de trabalho misto, composto por quatro deputados titulares e quatro suplentes e quatro senadores titulares e quatro suplentes, para acompanhar a realização do Enem.
Politização do Enem
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) acusou governos anteriores de esquerda de interferência ideológica nas provas. “Eu comecei meu primeiro mandato na gestão da presidente Dilma Rousseff e, naquela época, mesmo tendo sido derrotada nesta Casa e no Senado Federal, as questões de ideologia de gênero nunca deixaram de estar no campo ideológico, nas provas, em tudo que se tentava fazer naquela época, naqueles governos”, comparou o parlamentar.
“Agora, este governo, democraticamente eleito pelo voto direto dos brasileiros, se faz alguma coisa ideológica, estamos condenados ao erro”, criticou.
O deputado Diego Garcia (Pode-PR) argumentou que o governo promove a educação com base na ciência e acusou a oposição de politizar o Enem. Segundo ele, o banco de questões é abastecido por técnicos, e não pelo ministro ou pelo presidente da República. “Então, como houve interferência do governo, se antes da elaboração das provas já estavam neste banco?”, questionou.
Para o deputado General Peternelli (PSL-SP), faltou compromisso dos funcionários que pediram exoneração com o Enem. “Uma pessoa totalmente comprometida com a prova abre mão de um cargo de responsabilidade 15 dias antes da prova? Isso é responsabilidade com o aluno?”, questionou. Ele apontou também falta de confiança dos deputados da oposição na polícia federal.
O deputado Eder Mauro (PSD-PA), por sua vez, disse que os servidores foram cruéis com os alunos e que estava ocorrendo “uma orquestração comunista de desgaste do governo Bolsonaro”.
Número de inscritos
A deputada Rosa Neide (PT-MT) informou que enviou pedido de informação à Polícia Federal e ao MEC sobre a presença da PF no espaço de elaboração da prova no Inep. Além disso, enviou pedido de informação ao Conselho Nacional de Educação para que se posicione sobre o ocorrido e entrou com ação no Ministério Público do Trabalho para discutir o assédio moral aos servidores do Inep, entre outras ações.
Rosa Neide afirmou que o presidente do Inep, que compareceu à Comissão de Educação na semana passada, não respondeu propriamente a nenhum dos questionamentos feitos pelos deputados e apontou diminuição no número de inscritos do Enem em relação a provas anteriores.
O ministro respondeu que falará sobre o número de inscritos após a realização do exame. “Quero saber quantos de fato vão fazer a prova”, disse.
Convite em outra comissão
Nesta quarta-feira, antes de começar a audiência com o ministro na Comissão de Educação, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara aprovou um convite para Milton Ribeiro prestar esclarecimentos sobre as denúncias de assédio moral e os pedidos exonerações ocorridos no Inep.
O requerimento havia sido apresentado pelo deputado Professor Israel Batista.
Agência Câmara de Notícias.
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