O último debate entre os candidatos que disputam o segundo turno da eleição para o governo de São Paulo foi marcado pela expectativa sobre um tema: o episódio do tiroteio em Paraisópolis, zona sul da capital paulista, durante visita de Tarcísio de Freitas (Republicanos), bem como os desdobramentos do caso. O assunto só foi colocado em pauta por Fernando Haddad (PT) no último bloco, fazendo subir a temperatura do encontro.
Mediado pelo jornalista Cesar Tralli, o encontro da TV Globo teve quatro blocos. No primeiro e no terceiro, os candidatos tiveram embates diretos, com temas livres. Cada um pôde administrar os 15 minutos que tinham disponíveis para perguntar, responder e treplicar. No segundo e no quarto blocos, os temas tinham de ser escolhidos dentro de uma lista pré-determinada. Para cada tema, 5 minutos a serem administrados por cada candidato.
Primeiro bloco: oxigênio para Manaus
Haddad abriu perguntando sobre educação e vacinação. Tarcísio, porém, preferiu rebater o que chamou de “fake news” que estariam sido propagadas a respeito de sua campanha. Falou, por exemplo sobre a privatização da Sabesp, companhia pública de saneamento básico. A ideia, que é discutida abertamente pela campanha do candidato, pode deixar milhões de pessoas sem água e esgoto.
Outro tema apontado pelo candidato bolsonarista foi o erro logístico do Ministério da Infraestrutura, então comandado por ele, e que atrasou em até 66 horas a chegada de oxigênio a Manaus em um dos episódios mais críticos da pandemia de covid-19 no país. O caso foi revelado pelo Brasil de Fato. O tema dominou boa parte do bloco.
“O Governo Bolsonaro atrasou a remessa de oxigênio para Manaus. Aquelas imagens de gente sufocada em Manaus, aquilo é mentira? O atraso na compra das vacinas da Pfizer é mentira?”, retrucou o petista, que reforçou a negação do oponente em responder sobre vacinação de crianças. Quando finalmente tocou no assunto, Tarcísio deu nova roupagem à retórica bolsonarista antivacina, afirmando que “a gente não precisa obrigar um pai e uma mãe a vacinar seu filho. Ele tem que vacinar, ele sabe que aquilo é saúde”.
Por vários momentos no bloco inicial o debate ficou “nacionalizado”. Haddad, ao citar o passado de Tarcísio como ministro da Infraestrutura, falou sobre temas como o sigilo imposto por Bolsonaro em relação a decisões do período mais crítico da pandemia e o desdém com que o governo tratou o Instituto Butantan, vinculado ao governo paulista e uma das instituições brasileiras a desenvolver vacinas contra a covid-19.
Segundo bloco: pessoas em situação de rua e falta de médicos
Tarcísio iniciou o bloco com pergunta sobre pessoas em situação de rua. Haddad lembrou que, quando foi prefeito, conseguiu oferecer abrigo para a maioria das pessoas em situação de rua na capital paulista na época. Ele lembrou que esse contingente hoje é bem maior (são 40 mil, contra 15 mil do período em que esteve na prefeitura), e disse que já procurou lideranças religiosas, como o bispo Dom Odilo Scherer e o Padre Júlio Lancellotti para discutir soluções. “É um conjunto de medidas, e vamos fazer com os prefeitos”, apontou o petista.
Haddad, por sua vez, escolheu o tema “falta de médicos” para sua pergunta no bloco. Tarcísio disse que pretende criar planos de carreira e de cargos e salários para incentivar que médicos de regiões com alta oferta se desloquem para locais onde o número de profissionais é menor. O petista, por sua vez, lembrou que o governo Bolsonaro não ofereceu reajustes aos profissionais da saúde e ainda previu cortes orçamentários para a área.
Terceiro bloco: debate nacionalizado, Tarcísio cita Damares
Na abertura do terceiro bloco, Tarcísio cobrou que Haddad apresentasse nomes de seu eventual secretariado, caso eleito. O petista disse que não divulgaria nomes antes da eleição, em respeito ao eleitor. “Eu acho que você deveria ter um pouco mais de calma”, alfinetou. “Você está chegando agora, você está nomeando secretários”.
Em uma eleição que reúne dois ex-ministros dos candidatos à presidência da República, a “nacionalização” voltou a tomar conta das discussões em vários momentos do bloco. Tarcísio disse que o atual governo federal, do qual fez parte, representa “novas ideias”, e apontou a “formação de lideranças”, como a ex-ministra Damares Alves (Republicanos), eleita senadora. Citou ainda velhos espantalhos da retórica bolsonarista, como as obras do Porto de Mariel, em Cuba, e do metrô de Caracas (Venezuela).
Haddad criticou a ausência de investimento por parte de Tarcísio nos três anos e meio em que foi ministro da Infraestrutura. O petista destacou que o bolsonarista não levou investimentos ao transporte público paulista – o mesmo transporte público que Tarcísio promete agora desenvolver.
Quarto bloco: tiroteio em Paraisópolis
Na última rodada de perguntas com temas determinados, Haddad decidiu perguntar sobre violência contra a mulher. Tarcísio disse que criará secretaria estadual para cuidar do tema. Prometeu, ainda, ampliar o funcionamento do sistema de delegacias da mulher.
O assunto mais esperado do debate, porém, veio quando, na tréplica, Haddad citou o episódio do tiroteio em Paraisópolis durante visita de Tarcísio à comunidade no último dia 17. Um integrante da campanha de Tarcísio solicitou que um cinegrafista da Jovem Pan News apagasse imagens registradas no local.
“Você acha que aquele companheiro seu, ligado à inteligência, agiu corretamente ao determinar, constranger um profissional da imprensa a apagar imagens de um evento onde aconteceu um homicídio?”, perguntou o petista.
“Esse meu colega pediu o seguinte: ‘apaga isso, apaga aquilo’, por preocupação com as pessoas”, justificou o bolsonarista.
“Se você tem uma imagem que acha que pode colocar em risco a vida de alguém, você apaga ou você leva para a autoridade policial aquela imagem?”, replicou Haddad. “Não se destrói provas, não se destrói evidências. Se confia na autoridade policial”, complementou.
Sem tempo restante para responder, Tarcísio voltou ao assunto na hora de fazer a pergunta seguinte, para a qual escolheu o tema “emprego formal”. Disse que o integrante de campanha agiu de boa-fé. “Tanta boa fé que não se imaginou que estava sendo gravado”, afirmou. “Infelizmente a sua campanha impõe essa narrativa junto com alguns veículos de imprensa”, complementou.
Considerações finais
“Temos linhas muito diferentes para São Paulo. A linha do verde e amarelo contra a linha do vermelho”, destacou Tarcísio ao abrir suas considerações finais. Citou “todas as crises” enfrentadas pelo governo Bolsonaro, e disse que tem um programa de governo “focado no social” e na geração de empregos. Em um último apelo, afirmou: “tem gente que pode até não gostar do presidente Bolsonaro, mas olha o que ele fez”. O candidato encerrou pedindo ao eleitor que votasse 22 no domingo, confundindo o número de seu padrinho com o próprio – o Republicanos, partido de Tarcísio, usa o número 10, enquanto o PL de Bolsonaro usa o 22.
“São Paulo é o estado onde nasci, onde me casei, onde criei meus filhos, onde fiz minha vida”, disse Haddad, em uma última provocação indireta à origem carioca de Tarcísio. “Compare o que fiz por São Paulo e o que meu adversário fez. São Paulo é muito importante para o Brasil”, destacou. “Precisamos voltar a sonhar grande, a pensar grande. Esse estado é grande e pode muito mais”, complementou.
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