Declarando-se insatisfeitos com os episódios de assaltos violentos em seu bairro, grupos de moradores de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro, resolveram fazer justiça com as próprias mãos e se unir contra os criminosos. Por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens, passaram a convocar outras pessoas a reagirem aos roubos na área turística carioca e a se vingarem de suspeitos desses crimes.
Vídeos e mensagens veiculados pela imprensa carioca mostram pessoas incitando a agressão contra os assaltantes. Em um dos vídeos, um jovem diz que é preciso que os próprios moradores resolvam o problema, uma vez que a polícia não o faz. Também é possível ver imagens de grupos de jovens perseguindo suspeitos de roubo.
A coordenadora do Grupo de Estudos de Novas Ilegalidades da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), Carolina Grillo, ressalta que fazer justiça com as próprias mãos é crime e uma ameaça ao Estado Democrático de Direito.
“O fundamento do Estado Democrático de Direito é que o monopólio da violência legítima seja sempre do Estado. Só quem é autorizado a fazer uso da força para o cumprimento da lei é o Estado, mediante suas instituições competentes, as forças policiais a a guarda municipal. Quando você tem cidadãos comuns querendo fazer justiça com as próprias mãos, eles estão privatizando o uso da violência”, afirma a pesquisadora.
Segundo ela, esse não é um fenômeno novo no Brasil. O ato de fazer justiça com as próprias mãos, ou seja, de resolver crimes de uma forma que seja à margem da lei, é encontrado, por exemplo, em áreas dominadas pelo tráfico de drogas ou pela milícia. Nas zonas rurais, há fazendeiros que têm seu próprio exército de capangas.
Mesmo a ação de grupos de moradores justiceiros não é inédita. Em 2014, um adolescente de 15 anos foi preso nu em um poste no Aterro do Flamengo, na zona sul da cidade.
“Essa é uma ação bárbara, que não se submete ao império da lei. A gente já tem um problema crônico com isso no Brasil, onde o monopólio da violência legítima nunca conseguiu se efetivar. Não podemos fazer vista grossa para esse tipo de atitude, porque isso é um risco para democracia, um risco para o Estado de Direito”, destaca Carolina.
Pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/Uerj), o coronel reformado da Polícia Militar Robson Rodrigues explica que a noção de fazer justiça com as próprias mãos é reflexo de uma mistura do medo da população em relação às notícias de violência e à ideia popular de que o Estado é incapaz de resolver o problema da criminalidade.
“O medo é justo. A reação é que é perigosa. Existe um risco de aumentar ainda mais a violência. E também de abrir a oportunidade para que o mercado de segurança clandestina privada se amplie. Grupos clandestinos milicianos podem se aproveitar desse medo difuso”, afirma Rodrigues.
Outro risco é a vitimização de pessoas inocentes por esses grupos ilegais de “justiceiros”, principalmente de jovens negros e pobres. “É evidente que as populações que acabam sendo alvos da ação desses justiceiros são jovens negros pobres. Os critérios de seleção das pessoas que serão submetidas a esse tipo de prática acabam sendo racistas e classistas. Isso é claro que agrava ainda mais um problema crônico no Brasil, que é o racismo”, ressalta a pesquisadora.
Para ela, é preciso pensar em como melhorar a atuação das instituições de segurança pública, de forma que a população possa compreender que é possível acreditar que os crimes podem e devem ser resolvidos pelo Estado. Além disso, é preciso que a sociedade entenda que os conflitos não devem ser resolvidos por meio da privatização do uso da força.
Robson Rodrigues explica que a polícia precisa se antecipar aos problemas da criminalidade, aumentando e melhorando sua presença nos locais, não só para reprimir as ocorrências criminais como para ampliar a sensação de segurança na população. Isso evitaria o surgimento de grupos de justiceiros.
“É necessário que o governo haja rapidamente, até porque são ocorrências previsíveis, sazonais [que ocorrem mais no período de primavera e verão], em virtude das características daquela região”, afirma o pesquisador.
Em relação aos crimes de roubos, a Polícia Militar informou que vai ampliar a coordenação com outras instituições públicas, como a Secretaria de Ordem Pública da cidade do Rio, aumentar as abordagens e melhorar a distribuição do policiamento.
A Polícia Civil informou que investiga a ação de pessoas que praticam roubos e furtos na região.
Em relação aos “justiceiros”, a Polícia Civil destacou que a delegacia da área já está investigando a existência desses grupos de moradores “que estão planejando e organizando ataques no bairro”. De acordo com a polícia, alguns deles já foram identificados e estão sendo intimados a prestar esclarecimentos.
Agência Brasil.
Foto: Fernando Frazão.
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