A construção da comunidade do Contestado é marcada pela agroecologia e os cuidados com a biodiversidade e todo processo que envolve os cuidados com a água e a mãe natureza, e o que antes eram terras improdutivas, hoje sustenta dezenas de famílias que usam a agroecologia para produzir alimentos sem agrotóxicos.
A agroecologia é elemento essencial da vida no território do Assentamento, em que produzir alimentos saudáveis é perspectiva de bem viver para as gerações futuras. Ela se multiplica especialmente pela presença da Escola Latina Americana de Agroecologia, uma escola da Via Campesina da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, erguida no assentamento em 2005, com trabalho coletivo e voluntário.
Possui uma área aproximada de 3100 hectares, algo em torno de 1,5% da extensão territorial do município, onde 1240 são de áreas de proteção ambiental, seja em reserva legal ou preservação permanente; e toda sua área situa-se dentro dos limites da Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana.
Segundo Iara Beatriz F. Pereira, funcionária da Escola Latino-americana, a agroecologia se insere como pauta fundamental no projeto de Reforma Agrária Popular do MST:
“Considero essa pauta importantíssima para que possamos de fato conseguir agregar e construir o que é o popular. Já nos anos 90, a agroecologia chega no movimento com militantes homens e mulheres se apropriando do processo na relação com a via campesina e ao longo do tempo a agroecologia foi se fortalecendo como estruturante para esse processo de transformação social. Então ela é uma pauta e um modo de vida, uma centralidade para a construção de uma reforma agroecológica popular na questão ambiental, na questão alimentar, na questão da educação, na questão da construção das relações e da saúde popular. Logo, além de um movimento serve para prática e construção das políticas públicas.”, conclui.
Atualmente moram e trabalham neste Assentamento 108 famílias, organizadas em 10 Núcleos de base, e mais os trabalhadores e trabalhadoras que moram no centro comunitário e contribuem na cooperativa e no complexo de escolas. Os núcleos também cumprem função de organização administrativa interna. Servem para debater sobre situações comuns a serem resolvidas, como transporte, educação, saneamento, ações ligadas à saúde, entre outras; ou ainda aspectos ligados à produção, comercialização e geração de renda.
No Assentamento Contestado cerca de 81 camponeses possuem certificações da produção agroecológica. Os processos de certificação orgânica e agroecológica são realizados através da Rede EcoVida de Agroecologia de Certificação Participativa, a qual também se organiza por Grupos locais e Núcleos regionais.
O conceito de agroecologia ainda não era popular quando cerca de 40 famílias conquistaram o direito à terra no município paranaense da Lapa (PR), em fevereiro de 1999. A reforma agrária tornou possível a criação do Assentamento Contestado. Lá, os moradores cultivam os princípios de produção saudável e orgânica, atrelados às práticas ambientalmente sustentáveis com relações sociais justas e solidárias.
Escola Latino Americana
A Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) é fruto de uma iniciativa entre a Via Campesina, com apoios institucionais importantes. A ELAA desenvolve o curso de Tecnologia em Agroecologia, em parceria hoje com o Instituto Federal do Paraná. Para tanto, o método pedagógico, seja pela alternância (tempo escola e tempo comunidade), e em seus diversos tempos educativos e processos de autogestão busca qualificar os educandos em sua visão crítica da realidade, a formação política e o preparo técnico. A ELAA promove a formação de jovens oriundos de comunidades camponesas e movimentos sociais da Via Campesina. É a primeira escola de Agroecologia de nível universitário do país. Iniciou suas atividades há 18 anos após uma conferência no Rio Grande do Sul. Surgiu com o intuito de trazer a agroecologia como forma de vida para dialogar com os outros países. Tyson R. de Campos, administrativo da escola fala sobre o trabalho: “ No Brasil não é fácil dialogar sobre agroecologia, mas o MST surge com essa ideia, principalmente, para proteger a natureza e ter esse diálogo e relação com a natureza e o ser humano. Precisamos ter uma política pública de estado que possa incentivar o agricultor na produção agroecologia, incentivar a pesquisa em relação ao combate às pragas, ter incentivo em tecnologia para o aumento da produtividade e para que de fato possa fortalecer a agricultura familiar e os agricultores dos assentamentos”, afirmou.
Atuação do Plantear
O coletivo Plantear atua na comunidade do Contestado no tocante de propostas territoriais que auxiliam no melhor uso do território pelas famílias conforme explica Jorge Montenegro, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integrante do Plantear: “O projeto que estamos realizando aqui no Assentamento Contestado é sobretudo repensar o espaço destas famílias que vivem aqui, o espaço da agroecologia e o espaço dos novos integrantes que possam chegar. Aqui no Contestado nos deparamos com um problema que levou 25 anos para a resolução, uma área de pinus e eucaliptos que não foi resolvida na hora de fazer o assentamento e que agora estamos tentando resolver. O INCRA pede um conjunto de documentos e seguranças jurídicas para poder fazer a venda desses pinus e eucaliptos e nós estamos tentando trazer essa discussão para a resolução. Estamos trabalhando em um projeto para poder realizar a retirada dos pinus e assim poder vender e que o dinheiro da venda volte para a comunidade. E no espaço dos pinus e eucaliptos possa ser feita uma ampliação do assentamento e que as famílias possam ocupar esse espaço. Então, basicamente, esse é o projeto que estamos fazendo agora, uma tentativa de resolver um problema de longo prazo e ao mesmo tempo manter um diálogo com as famílias para que elas possam pensar o futuro do assentamento”, finalizou.
Para Tânia Márcia Bagnara, acampada e assentada no Contestado desde 1999, o Plantear teve papel fundamental nas conquistas obtidas até o momento: “A questão das assessorias técnicas é importante desde o início. Eu lembro que logo que chegamos aqui foi desenvolvido o PDA (Plano de Desenvolvimento do Assentamento), nós criamos, olhamos para a área para ver qual era o potencial produtivo, o que a gente precisava para aquele momento. No início deste ano a gente voltou a olhar o PDA que foi construído pela equipe técnica que auxiliava a gente na época. O PDA foi feito lá em 2000 e falava que a gente queria casa, porque as pessoas não tinham casa, hoje a gente tem, queríamos água encanada, hoje a gente tem poço artesiano com água de qualidade, tem luz elétrica que não tinha. Então, todas essas coisas estavam projetadas lá, e para tudo isso a gente precisa dessa assistência técnica para poder estar construindo isso. Fizemos o movimento aqui dentro do assentamento de conversas com as famílias para enumerar as reivindicações e o Plantear nos ajudou nesta questão de construir esse projeto para os próximos 25 anos. É muito importante o trabalho que foi feito aqui, porque o conhecimento específico e técnico de cada um vai conseguir construir esse documento e essa questão para a gente conseguir projetar o nosso futuro”, finalizou.
Terra que produz
Em 10 de abril de 2010 reuniram-se 49 camponeses e 29 camponesas do Assentamento Contestado e fundaram a Cooperativa de Agroindústria e Comércio Terra Livre, com o principal objetivo de estimular o desenvolvimento progressivo e a defesa de atividades econômicas e sociais, de caráter comum. A Cooperativa Terra Livre admite em seu quadro de sócios os povos do campo: assentados da Reforma Agrária, agricultores familiares, faxinalenses, quilombolas, entre outros. Atualmente são 235 sócios da diversidade camponesa dos municípios da Lapa, São Mateus do Sul e Antônio Olinto, e em análise outros 50 pedidos de cooperação a serem referendados numa próxima Assembleia Geral.
A Cooperativa Terra Livre é responsável pela comercialização semanal de 8 toneladas de alimentos. Alimentos orgânicos certificados e outros em processos de conversão. Envolvendo nessa dinâmica todas as famílias associadas, com o suporte de uma reduzida equipe de gestores, técnicos e outros profissionais que realizam as diversas atividades para consecução dos objetivos comuns. Durante cada mês são escoados 32 mil quilos de alimentos, somando ao final de cada ano 400 toneladas de alimentos de qualidade. Os quais, por meio de parcerias inclusive com programas de governo, chegam à mesa de cidadãs e cidadãos brasileiros que apresentam situação de vulnerabilidade alimentar e nutricional. Atualmente são beneficiadas 3 mil pessoas pelo Programa de Aquisição de Alimentos, e 57 Colégios Estaduais da região e outras 22 Escolas Municipais da Lapa pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Curta-metragem sobre Contestado ganha Premiação da ONU
Existem muitas histórias no Assentamento, e uma delas ganhou o mundo utilizando apenas três minutos. A agroecologia no Assentamento do Contestado está no curta-metragem “O que é agroecologia?” No nome original “What is Agroecology?”. Apesar do nome em inglês, a produção é nacional. Foi feita pelos jovens Rafael Forsetto e Kiane Assis. O curta com nome gringo porque participou do Concurso Global de Vídeos da Juventude sobre Mudanças Climáticas (TVEBioMovies) 2019, promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU). “Acharam que o trabalho que mostramos, dos agricultores, era muito pertinente aos objetivos das Nações Unidas, ao compromisso com o meio ambiente, às mudanças climáticas e também no compromisso com a educação que a Escola Latinoamericana demonstra promovendo a educação sobre agroecologia para jovens e outros que têm interesse”, ressalta Rafael Forsetto. O vídeo possui mais de 120 mil visualizações, sendo a obra mais visualizada na história da competição. Um dos protagonistas da peça audiovisual é o assentado Antonio Capitani. Ele explica que o princípio do Assentamento é produzir e ajudar a natureza ao mesmo tempo.
Via assessoria.
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