Reitores de universidades federais criticaram nesta terça-feira (17) vários pontos do programa Future-se, do Ministério da Educação (MEC). O programa permite às universidades públicas a captação de recursos privados por meio de contratos com organizações sociais (OSs) sem a necessidade de chamada pública. Entre as principais críticas feitas ao programa em audiência pública promovida pela Comissão de Educação (CE) estão a falta de clareza nas regras propostas e a ameaça à autonomia das universidades.

— Há uma grande relativização, se não a agressão frontal, que ele representa à autonomia universitária, embora se apresente como algo que vai melhorar ou facilitar nossa autonomia — disse o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Oppermann, que informou a rejeição do conselho universitário da instituição ao programa.

O presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), Fernando Peregrino, concorda. Para ele, na prática, as organizações sociais podem funcionar como cerceadoras da liberdade das universidades.

— A OS é uma ameaça real à autonomia. O contrato de gestão é o gatilho dessa ameaça — lamentou.

Programa

Segundo o portal do MEC na internet, o Future-se busca o fortalecimento da autonomia de gestão, financeira e administrativa das universidades e institutos federais (IFs). Essas ações serão desenvolvidas por meio de parcerias com as organizações sociais. O argumento do MEC é de que o programa pode promover a sustentabilidade financeira, estabelecendo limite de gasto com pessoal nas universidades e institutos.

O Future-se permite que universidades e institutos aumentem as receitas com a captação de recursos. A adesão é voluntária, mas  o governo afirma que quem aderir terá mais flexibilidade para realizar despesas. A proposta do governo também prevê a criação do Fundo Soberano do Conhecimento, voltado para atividades de pesquisa, extensão e desenvolvimento, inovação e empreendedorismo nas universidades e IFs. A administração deste fundo será de uma instituição financeira privada.

Clareza

A reitora da Universidade de Brasília (UnB), Márcia Abrahão Moura, apontou  falta de clareza com relação a vários pontos da minuta enviada pelo Ministério da Educação às universidades. Entre esses pontos, citou a dispensa de chamamento público para a adesão aos contratos de gestão, a falta de informações sobre o comitê gestor do programa e a previsão de que metas e indicadores de governança serão estabelecidos depois, por “ato do ministro da Educação”. Ela ressaltou ainda que a minuta não aborda o financiamento público das instituições federais de educação superior.

— O financiamento público das instituições federais, previsto na Constituição, não é abordado na minuta, o que causa estranhamento. O texto propõe a criação de um fundo de natureza privada como alternativa para o financiamento de pesquisa, inovação e internacionalização e também não há clareza sobre como vai funcionar e qual é o papel do Estado nesse fundo — explicou.

A reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Sandra Regina Almeida, afirmou que as universidades públicas não são a fonte da crise, mas sim a solução. Ela expôs preocupações do conselho universitário quanto aos cortes de recursos da instituição.

— Nós tivermos um bloqueio, em maio, de 30% do nosso orçamento. Não estamos tendo condições de fazer uma gestão devida porque não temos como planejar nossos gastos. Há uma expectativa de um desbloqueio, mas estamos ainda aguardando essa sinalização e isso, de certa forma, contamina muito da discussão que está sendo feita para o Future-se em termos de pensar o futuro da nossa universidade — lamentou.

Vantagens e riscos

Para a reitora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Wanda Hoffmann, o projeto pode trazer vantagens, mas há riscos relevantes, como a ameaça à autonomia universitária. Outro risco apontado pela reitora é o de que a adesão diminua ainda mais os recursos públicos destinados às instituições de educação superior.

— O Programa Future-se não pode ser visto como a solução para o funcionamento básico das universidades, mas, caso ajustado, aprovado e abraçado pelas instituições, tem o potencial de trazer benefícios significativos — disse a reitora, que apontou entre as possíveis vantagens o fim do teto para recursos próprios e a flexibilização da execução.

Tanto ela quanto a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili, apontaram que o programa causou muitas dúvidas e que isso gera a necessidade de ajustes para que haja clareza no texto.

— Nós temos mais dúvidas que certezas com relação a essa proposta e muitas coisas precisam de esclarecimentos e também de muito debate antes que qualquer decisão seja tomada. Uma mudança dessa natureza precisa de muita discussão e de uma construção conjunta — defendeu Soraya.

Recursos próprios

Outro ponto defendido pela reitora da Unifesp foi a aprovação da PEC 24/2019, em análise na Câmara dos Deputados. O texto propõe excluir dos limites das despesas primárias de cada instituição aquelas que são financiadas por receita própria, de convênios ou doações. Hoje, apesar de pertencerem à unidade orçamentária arrecadadora, os recursos próprios gerados pelas universidades não são revertidos integralmente para seus orçamentos.

A reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Denise Carvalho, também defendeu a aprovação da PEC.

— Estamos com várias contas atrasadas, com possibilidade de parar o funcionamento, e temos recursos próprios, receitas próprias bloqueadas. A PEC 24 é fundamental para o funcionamento das universidades e para que haja um incentivo à captação de recursos — disse.

Para o senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB), autor de um dos requerimentos para a audiência, afirmou que o debate serviu como subsídio para que os senadores possam discutir o tema. A audiência foi conduzida pelo senador Dário Berger (MDB-SC), presidente da CE.

Agência Senado.

Imagem: Geraldo Magela.

guazelli

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