O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) anulou, nesta quinta-feira (21), a nomeação do missionário Ricardo Lopes Dias para a Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). A decisão atende recurso do Ministério Público Federal (MPF), que demonstrou o grave risco de genocídio em caso de reversão da política brasileira de não forçar o contato com povos em isolamento voluntário.

Para o desembargador Antonio Souza Prudente, que ordenou a anulação, o missionário nomeado já tomou decisões que violam o direito dos povos indígenas isolados e por isso, é necessário inibir “a adoção de medidas que venham a afrontar as garantias fundamentais, notadamente, aquela que assegura aos povos indígenas o direito à sua autodeterminação, nos termos da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais”.

“Historicamente, os missionários procuram promover o contato com povos indígenas isolados e de recente contato para evangelizá-los, o que contraria uma política consolidada no Brasil”, lembra o texto da liminar. Ricardo Lopes Dias atuou como missionário da região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, ligado à organização religiosa antes conhecida como Missão Novas Tribos do Brasil, hoje rebatizada de Ethnos 360.

A decisão afirma que “a nomeação de servidor engajado com a linha de atuação da referida organização missionária representa alto grau de risco à política consolidada de não contato com as populações e o respeito ao isolamento voluntário desses povos, em flagrante violação ao princípio da autodeterminação dos povos indígenas, conforme acima já consignado, e, também, à função institucional da própria Coordenador-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, que, dentre outras atribuições, deve garantir a proteção dos indígenas e das terras onde estão”.

Portarias anuladas – Com a liminar do TRF1, a portaria 167/2020 da Funai foi anulada, o que assegura que apenas servidores efetivos da fundação possam coordenar a área que protege povos em isolamento voluntário e de recente contato. Também foi anulada a portaria 151/2020, que nomeou Ricardo Lopes Dias.

O processo aponta que a responsabilidade da coordenação assumida por Ricardo Lopes Dias – assim definida pela ordem jurídica nacional – é implementar uma política não assimilacionista e não integracionista. Há, portanto, “nítido conflito de interesses na nomeação de pessoa com profundas ligações, de formação e de trabalhos desenvolvidos, com organização que tem por meta estreitar com os indígenas, preferencialmente os isolados e de recente contato, relações de dependência favoráveis à propagação da fé, representando um movimento assimilacionista e de integrar o indígena à sociedade nacional”.

O MPF teve acesso a documentos assinados por movimentos missionários internacionais aos quais Ricardo Lopes Dias é ligado que comprovam o envolvimento da Missão Novas Tribos do Brasil, a que ele pertenceu por dez anos, em um movimento de fazer contatos forçados e evangelizar povos isolados. Nos documentos, utiliza-se o termo “finalizar a missão” para designar o que os missionários dizem ser uma “comissão” dada por Jesus Cristo em trecho da Bíblia, e que “obriga evangélicos a promoverem a conversão de povos indígenas em todo o planeta”.

Os documentos do movimento missionário permitem verificar o esforço em obter dados que auxiliem “na tentativa de identificar as necessidades e oportunidades entre aqueles que pouco ou nada ouviram de Cristo”, ou seja, em obter dados sobre identificação e localização dos povos em isolamento voluntário e de recente contato, para concluírem a tarefa de que “o evangelho de Cristo, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, chegue a todos em todos os lugares, prioritariamente àqueles que pouco ou nada ouviram da única e insubstituível salvação em Cristo Jesus”. Para o MPF, esses dados são extremamente sensíveis, e o acesso de missionários a eles pode colocar os povos em risco de genocídio e etnocídio.

ASCOM – MPF.

guazelli

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