Os indígenas passaram a ter direito a medidas de proteção durante a pandemia de covid-19 graças à derrubada, pelo Congresso Nacional, de veto do presidente Jair Bolsonaro a dispositivos da Lei 14.021, de 2020, que estabelece apoio aos grupos tradicionais em extrema situação de vulnerabilidade.

Em 19 de agosto, deputados e senadores derrubaram o veto parcial do presidente da República ao Projeto de Lei (PL) 1.142/2020, que determina medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia.

Sancionada em 7 de julho, a Lei 14.021, que teve origem no projeto, determina que os povos indígenas, as comunidades quilombolas e demais povos tradicionais sejam considerados “grupos em situação de extrema vulnerabilidade” e, por isso, de alto risco para emergências de saúde pública.

O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, barrou 22 dispositivos da norma. Para justificar os vetos, o governo argumentou que o texto viola a Constituição ao criar despesa obrigatória sem demonstrar o respectivo impacto orçamentário e financeiro.

Entre os itens vetados por Bolsonaro estavam o acesso universal à água potável; à distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies; à oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidades de terapia intensiva (UTI); à aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea; à distribuição de materiais informativos sobre a covid-19; e pontos de internet nas aldeias.

Também foi vetado dispositivo que obrigava a União a distribuir alimentos diretamente às famílias “na forma de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas”, bem como o prazo de dez dias para a elaboração de um plano de contingência para cada situação de contato com povos isolados, além da elaboração de um plano de contingência para lidar com surtos e epidemias verificadas nas áreas.

Proteção às comunidades

Com a retomada dos trabalhos legislativos, em fevereiro de 2021, o Congresso votará ainda a Medida Provisória 1.008/2020, que libera crédito extraordinário de R$ 228 milhões para o Ministério da Cidadania aplicar em ações de enfrentamento da crise econômica decorrente da pandemia de covid-19. A MP foi editada em 27 de outubro pelo Executivo, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obriga o governo a garantir, durante a pandemia, a segurança alimentar de indígenas, quilombolas e populações tradicionais atingidas pela pandemia. O dinheiro será obtido por meio de endividamento interno e, segundo o governo, em operação de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).

Medidas provisórias são normas com força de lei editadas pelo presidente da República em situações de relevância e urgência. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MP 1.008/2020 é submetida ao Senado e à Câmara para se converter definitivamente em lei ordinária. As MPs passam a produzir efeitos assim que são publicadas e enquanto estiverem em vigência. Caso o dinheiro previsto nessas MPs de crédito não tenha sido todo empenhado até o fim do prazo de validade, qualquer saldo não poderá mais ser desembolsado. O prazo para apreciação da MP 1.008/2020 vai até 4 de fevereiro de 2021.

Subnotificação

Também aguardam votação no Plenário do Senado outros dois projetos que podem contribuir para reduzir a subnotificação de casos de covid-19 entre as populações indígenas e quilombolas: o PL 2.179/2020, que visa combater a subnotificação entre a população negra, e o PL 3.603/2020, que visa garantir a testagem para a doença nos locais de trabalho. Os dois projetos são de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS).

Em pronunciamento remoto em 19 de agosto, Paulo Paim afirmou que as comunidades indígenas e quilombolas sofrem devido ao preconceito, à discriminação e ao descaso do governo. De acordo com o senador gaúcho, a pandemia já provocou, entre os indígenas do país, ao menos 650 mortes, além de mais de 24 mil casos confirmados e 148 povos atingidos.

Entre os quilombolas, Paulo Paim citou estimativas de que já ocorreram cerca 150 mortes e há em torno de 4 mil casos da doença. O senador ressaltou que esses números, na realidade, podem ser maiores porque há subnotificação de casos de covid-19 entre essas populações.

Indígenas

De acordo com o Comitê Nacional pela Vida e Memória Indígena, criado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), são 42.714 casos de infecção por coronavírus e 898 mortes entre indígenas. Dos 305 povos que vivem no país, 161 foram atingidos, incluindo o povo Warao, refugiado da Venezuela.

Os números divulgados pela Apib são maiores que os registrados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, que contabiliza apenas casos homologados. Segundo o Sesai, são 36.817 casos confirmados e 504 óbitos. Ainda de acordo a secretaria, o Mato Grosso do Sul é o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) com maior número de infecções. Em seguida, estão os distritos do Leste de Roraima e Interior Sul (SC).

Em nota técnica, o Centro de Sensoriamento Remoto e o Instituto Socioambiental da Universidade Federal de Minais Gerais (UFMG) apontaram as terras indígenas com maior índice de vulnerabilidade frente ao vírus. No topo da lista, está Barragem (SP), seguido por Yanomami (RR) e Jaraguá (SP). Como critério de vulnerabilidade, o estudo avaliou dados como a disponibilidade de leitos hospitalares, vias de acesso e outros fatores relacionados com a estrutura de atendimento da saúde indígena e mobilidade territorial.

Segundo o Ministério da Cidadania​, mais de 151 mil indígenas foram atendidos com o auxílio emergencial, implementado pelo governo federal. As regiões Norte e Nordeste concentram o maior número de beneficiários.

Quilombos

Entre as comunidades quilombolas — segundo dados registrados até o dia 16 de dezembro — são 4.703 infectados e ao menos 171 mortos. Além disso, há 1.418 casos em monitoramento. Os dados são do Observatório da Covid-19 nos Quilombos,​ uma parceria entre a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) com o Instituto Socioambiental (ISA).

A região Norte é a mais atingida. Somente no Pará, 46 quilombolas não resistiram à doença, maior número entre os estados brasileiros. Já no ranking dos municípios, a cidade do Rio de Janeiro lidera o país com 30 mortes. Na sequência, estão Macapá, com 16 óbitos, e Moju (PA), com 10.

Agência Senado.

Imagem: José Cruz.

guazelli

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