Durante audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado (CRE), representantes da cúpula das Forças Armadas afirmaram que faltam recursos para a área da defesa no país — especialmente para seus programas estratégicos. A presidente da comissão, senadora Kátia Abreu (PP-TO), se comprometeu a defender o incremento do orçamento desse setor. Ainda durante a audiência, o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) questionou manifestações de membros da cúpula militar que ele considerou indevidos por causa de seus posicionamentos políticos. E a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) disse que “hoje se vê uma tentativa de politização [por parte do governo] das Forças Armadas”. Em resposta, o ministro da Defesa, Walter Souza Braga Netto, declarou que “não existe politização nas Forças Armadas” e que estas se restringem a seu papel constitucional.

Recursos

Segundo a cúpula das Forças Armadas, os cortes nos orçamentos das Forças Armadas se tornaram sistemáticos nos últimos anos e estariam comprometendo programas estratégicos de Defesa, provocando inclusive impactos negativos na economia e na geração e na manutenção de empregos de alta qualidade.

O ministro da Defesa, Braga Netto, destacou o corte que as Forças sofreram em seu orçamento para 2021.

— Com o bloqueio, o orçamento de 2021 só atende metade das nossas necessidades. Para os R$ 16,5 bilhões que são necessários, dispomos de R$ 8,4 bilhões. Os cortes fazem com que todos os projetos estratégicos atrasem muito e percam em qualidade. O Prosub [Programa de Desenvolvimento de Submarinos], o Sisfron [Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras] e os caças FX-2 são os mais prejudicados — declarou Braga Netto.

O ministro da Defesa também comentou o impacto que os cortes orçamentários causam na Base Industrial de Defesa (conjunto das empresas, estatais ou privadas, que participam de alguma das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos de defesa considerados estratégicos).

— A Base Industrial de Defesa conta com 1.130 empresas específicas, 5.600 empresas que fabricam algum item, 285 mil empregos diretos e 850 mil indiretos. Cada real investido em Defesa gera no PIB [Produto Interno Bruto] um valor muito maior que o investido. São dados da Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo]: cada R$ 1 investido reflete um valor de R$ 9,80 no PIB. O Brasil exportou US$ 3,6 bilhões em 2020 de produtos dessa área. Já temos negociação com diversos países, neste ano, firmada a US$ 4,5 bilhões. Somos apenas o 85º país no mundo, em relação ao PIB, em investimentos de defesa. E na América do Sul, o 7º colocado — ressaltou.

Os depoimentos dos comandantes das Forças Armadas seguiram o mesmo tom. O almirante Almir Garnier, da Marinha, defendeu a importância do Prosub (programa de desenvolvimento de submarinos, especialmente os de propulsão nuclear) e de outros programas das Forças Armadas para o país.

— O Prosub gera 24 mil empregos diretos, 40 mil indiretos e já arrecadou, desde seu início, R$ 1 bilhão em impostos. O programa das fragatas Classe Tamandaré, que ainda está no início, já gera 2 mil empregos diretos e gerará 6 mil indiretos. Nossos projetos têm uma relação custo-benefício muito elevada — disse.

Para o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, comandante do Exército, o Brasil precisa entender que investir em Defesa “é rentável”.

— A Defesa é rentável. Temos um trabalho feito por outras organizações, inclusive com a Confederação Nacional da Indústria [CNI], em que chegamos à conclusão de que, para cada R$ 1 investido em Defesa, o retorno é de R$ 3,66. Mais que na metalurgia, nas telecomunicações ou na informática. Essa relação é corroborada, inclusive, por outras pesquisas. Os levantamentos mostram que os 17 programas estratégicos do Exército devem gerar R$ 112 bilhões para a economia brasileira até 2039 e R$ 60 bilhões em acréscimo no PIB. São 187 cidades envolvidas em nossos programas, de 26 estados. São 1.441 empresas ligadas diretamente a nossos programas — afirmou ele.

Já o comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, lamentou que os cortes prejudiquem o cronograma dos programas Grippen (de caças aéreos), os relacionados ao cargueiro KC-390 e ao Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras [Sisfron], que provocam, segundo ele, redução de investimentos e perda de talentos e empregos de alta qualificação.

Apoio

A presidente da CRE, senadora Kátia Abreu (PP-TO), e o senador Esperidião Amin (PP-SC) estiveram entre os parlamentares que, durante a audiência, se comprometeram a defender o incremento do orçamento das Forças Armadas.

— O gasto hoje com as Forças Armadas é de 1,35% do PIB, mas os números indicados mundialmente para uma defesa eficiente giram em torno de 2% do PIB. Precisamos alcançar essa meta para que estejamos preparados para a defesa da pátria — declarou Kátia.

Esperidão Amin ressaltou que a defesa cibernética deve ser contemplada num eventual reforço orçamentário. Nesse sentido, a presidente da CRE indagou os representantes das Forças Armadas sobre eventuais temores sobre a tecnologia 5G, dominada por empresas chinesas. Braga Netto evitou responder essa pergunta, alegando que o tema é da alçada do Ministério das Comunicações e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Mas ele confirmou que a preocupação maior, no que tange à defesa, está na segurança do tráfego de informações.

Polêmica

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) questionou os representantes da cúpula militar sobre comportamentos de seus integrantes que ele considera indevidos, por se tratarem de manifestações de caráter político.

— O comandante da Aeronáutica [Carlos de Almeida Baptista Junior] fez declarações abertamente nas redes sociais em apoio ao presidente Jair Bolsonaro, ataques contra a esquerda, contra a imprensa, além de críticas ao Supremo Tribunal Federal por ter decidido uma ação judicial envolvendo o ex-presidente Lula. São situações muito delicadas. O próprio general Otávio Rêgo Barros [ex-porta-voz da presidência da República] disse recentemente que o presidente Bolsonaro não tem “amadurecimento intelectual” e quer transformar o Exército em estrutura de apoio político. E o Clube Militar afirmou que grande parte da população tem saudades do período da ditadura militar — criticou Contarato.

A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) abordou essa questão. Ela disse que “hoje se vê uma tentativa de politização das Forças Armadas, em desrespeito à própria legislação militar, que proíbe manifestação pública sobre política por parte de militares da ativa”.

Ao responder a esse questionamento, Braga Netto declarou que as Forças Armadas se restringem a seu papel constitucional.

— Não existe politização nas Forças Armadas. Elas permanecem e se pautam pelo que é previsto na Constituição. Não comento declarações, seja do presidente, seja do Rêgo Barros, mas posso colocar uma posição minha. As Forças Armadas são de todos os brasileiros. Então acredito que quando o presidente fala “meu Exército”, mas é uma suposição, ele está se referindo a isso, como qualquer brasileiro deve se referir. E o Clube Militar é uma associação com militares da reserva, não se subordina aos comandos das Forças Armadas; emite uma opinião dos associados dele — afirmou o ministro.

Também em resposta a Contarato, o comandante da Aeronáutica disse que jamais se manifesta politicamente. Ele disse apenas ter “curtido” um texto publicado pela deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), mas que não vê isso como “manifestação política”. Também argumentou que suas manifestações seguem sempre o manual das Forças Armadas no que tange ao uso de redes sociais, e que num discurso afirmou que a Aeronáutica está aberta às demandas dos órgãos de imprensa, “pois os órgãos de imprensa que não desejam dados corretos e com profissionalismo certamente não baterão à nossa porta”.

Agência Senado.

guazelli

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