Dissidentes e uma ala do PDT lançam oficialmente, nesta quarta-feira (21), no Rio de Janeiro, um manifesto contra a candidatura do correligionário Ciro Gomes e a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O manifesto tem apoio de aproximadamente 100 nomes, dos quais cerca de 30 são filiados ao PDT, de acordo com um dos idealizadores, Gabriel Cassiano, ex-aliado ferrenho de Ciro Gomes, agora filiado ao PSB.
Alguns dos integrantes do partido preferiram apoiar o manifesto apenas nos bastidores, depois que o presidente nacional do partido, Carlos Lupi, informou que todos os filiados que assumirem a “dupla militância serão excluídos”. A cúpula da sigla também aprovou uma resolução que proíbe o apoio a candidatos de outras convenções nacional ou estaduais, em julho deste ano, quando lançou a candidatura de Ciro. Pedetistas ouvidos pelo Brasil de Fato, no entanto, afirmaram não se intimidar diante daquilo que chamam de “ameaças” do partido.
Três fatores pesaram para que pedetistas e ex-filiados se posicionassem desta maneira: o desempenho insuficiente de Ciro Gomes nas pesquisas de intenção de voto a nível nacional, abaixo dos dois dígitos; as recentes atitudes consideradas agressivas do ex-governador do Ceará em relação ao PT e ao candidato Lula, que figura o primeiro lugar nas pesquisas; e a necessidade de derrotar o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição, já no primeiro turno.
Para esses integrantes do PDT, Ciro Gomes adotou uma postura mais próxima da centro-direita nos últimos meses, distanciando-se das bandeiras históricas do partido, mais ligadas à centro-esquerda. Os filiados citaram, por exemplo, o aceno do candidato pedetista à liberação da mineração em terras indígenas administrada pelas próprias lideranças, a despeito de não ser um ponto pacífico nem mesmo entre as comunidades.
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Posicionamento contra Lula foi estratégia de campanha
Mas o que salta aos olhos dos apoiadores do manifesto é a insatisfação diante do posicionamento de Ciro em relação ao ex-presidente Lula e PT, estratégia concebida ainda durante o andamento da CPI da Covid, segundo Gabriel Cassiano.
“Quando eu ainda estava no PDT, conheci o João Santana [marqueteiro de Ciro] e participei das reuniões. A estratégia era, primeiro, derreter o Jair Bolsonaro no auge da pandemia. O Ciro tinha certeza que o Bolsonaro estava tão frágil que ele poderia pegar votos do Bolsonaro e ir para o segundo turno. A conclusão foi que para ganhar o voto dos bolsonaristas arrependidos, eles deveriam elevar o tom das críticas ao PT”, relata o ex-pedetista.
O derretimento esperado pela equipe de Ciro, no entanto, não deu as caras. Jair Bolsonaro reorganizou a sua base no Congresso Nacional, garantindo o apoio do Centrão por meio do Orçamento Secreto, e radicalizou o seu discurso de campanha, mantendo o suporte fiel de aproximadamente 30% do eleitorado.
O resultado para Ciro é uma oscilação entre 7% e 9% das intenções de votos, de acordo com as pesquisas mais recentes, sem nenhuma chance de ir para o segundo turno. Para Cassiano, dado o cenário atual, somente os “rancores” justificam o posicionamento de Ciro em relação ao PT.
“Eu acho que esse rancor é justificado por algumas questões que o PT fez em 2010, quando ele mudou o título para São Paulo, ia disputar a Presidência no lugar da Dilma, depois ia disputar o governo do estado de São Paulo, numa articulação do Lula. Aí depois em 2018 houve aquela questão do Haddad no lugar dele”, afirma Cassiano.
“Esse ódio tem certas justificativas. Mas tem uma grande frase que resume tudo: ‘Primeiro a pátria, depois o partido, depois os homens’. Ele, nessa hierarquia, chutou o pau da barraca, não está nem aí para o partido e para o país e está colocando esses deslizes individuais que aconteceram no lugar do coletivo.”
Necessidade de “derrubar” Bolsonaro
Cassiano defende que se a conjuntura fosse de uma disputa mais estável, a candidatura de Ciro Gomes teria o apoio de parcelas mais expressivas. “Mas a gente está tentando vencer o presidente Jair Bolsonaro, que é belicoso, incita a instabilidade institucional, flerta com o golpe e o autoritarismo, questiona as urnas eletrônicas”, disse.
“Não é uma eleição qualquer. É uma eleição em que ele deveria engolir todas essas divergências pessoais que eventualmente outrora existiram e colocar o apoio ao Lula no primeiro turno. Ele deveria ter a grandeza de fazer isso, mas infelizmente o Ciro parece que sempre pensa com o próprio umbigo primeiro ao invés de pensar no coletivo”, afirma.
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O ponto de vista é compartilhado pela ala do PDT que apoia o manifesto. “Ele é muito inteligente e preparado, porém arrogante, prepotente e orgulhoso”, afirmou ao Brasil de Fato um dos filiados ao partido, que não quis se identificar.
Outro correligionário de Ciro Gomes, que também preferiu permanecer anônimo, disse que a candidatura “veio de cima para baixo” e a que a vontade é de “votar em Lula”. “Não temos como negar que a nossa democracia numa reeleição de Bolsonaro fica bastante ameaçada. Ciro não está atingido nem os dois dígitos. Não há mais tempo. A nossa melhor opção é Ciro Gomes se conscientizar que a nossa democracia está fragilizada e que juntar forças para derrubar o mal que está na nossa porta. É uma candidatura inviável que só está atrapalhando.”
Os apoiadores do manifesto afirmam, inclusive, que as declarações de Ciro Gomes contra Lula têm gerado efeitos positivos para a campanha de Bolsonaro, quando compartilhadas por aliados do presidente.
Apoio a Ciro dentro do PDT
Com o enfraquecimento de Ciro Gomes diante dos desgastes dentro e fora do partido, Gabriel Cassiano afirma que hoje o PDT está dividido entre Sul, Sudeste e Nordeste. “No Sul e Sudeste, a coisa não está muito legal para ele. Já tem muitas manifestações de deputados que estão sendo prejudicados pela postura do Ciro”, diz.
No Nordeste, Weverton Rocha, candidato ao governo do Maranhão pelo PDT, publicou recentemente um vídeo ao lado do ex-presidente Lula com a seguinte legenda: “sempre estive ao lado de Lula, mesmo quando todos seguiam na direção contrária. Se Lula for presidente, nós iremos trabalhar juntos pelo Maranhão”.
Na visão de Cassiano, o movimento reflete um descontentamento em relação a Ciro Gomes e uma tentativa de se colar ao primeiro colocado nas pesquisas de intenções de voto. No estado, Lula tem 66% das intenções de voto, segundo a pesquisa Ipec, divulgada em 24 de agosto.
“Aonde o Ciro vai, ele racha alguma coisa. Ele não consegue ter uma habilidade de construir e agregar. E eu vejo hoje o que o PDT está dividido regionalmente. Essa postura do Ciro, além de estar fragmentando o PDT, está ajudando o PDT a ser diminuído perante a história e também a ter um revés grande eleitoral. Eu acredito que o partido vai eleger uma bancada muito menor e nenhum governador por conta dessas posturas que poderiam ser diferentes”, afirma Cassiano.
Recentemente, o vice-presidente nacional do PDT, o deputado federal André Figueiredo (CE), afirmou que os posicionamentos do presidenciável do partido em relação ao ex-presidente Lula são de caráter pessoal e não refletem os entendimentos da sigla. “O posicionamento é do Ciro, é uma questão pessoal dele. Ele tem seus motivos para isso, não entro no mérito. O PDT sempre teve respeito com Lula, na Câmara dos Deputados tivemos convergência com o PT em várias ocasiões”, afirmou Figueiredo à Folha de S. Paulo.
O pedetista, no entanto, afirmou que o PT desrespeita o PDT quando tenta atrair eleitores de Ciro Gomes, o que pode comprometer o apoio a Lula em um eventual segundo turno. “Vejo uma atitude desrespeitosa do PT com o PDT. Temos candidatura consolidada desde 2018, e não existe a menor possibilidade de fazermos corpo mole”, afirma. “Isso pode comprometer nosso posicionamento nacional. No Bolsonaro nós não votamos, mas precisamos ter um mínimo de respeito recíproco no segundo turno.”
Outro lado
Ao Brasil de Fato, campanha de Ciro Gomes e o PDT informaram que não vão se posicionar sobre o manifesto.
Leia o manifesto na íntegra:
TRABALHISTAS PELA DEMOCRACIA: O VOTO NECESSÁRIO
Em 2016 um político tradicional cearense começou a ganhar a atenção de jovens entre 20 e 30 anos no país. Seja na imprensa ou nas universidades, denunciou com perspicácia e altivez o golpe em curso contra a presidenta Dilma Rousseff. Denunciou o conspirador Michel Temer, abrindo um caminho importante para alavancar um campo político próprio, uma corrente de pensamento que perseguiria um projeto nacional de desenvolvimento. Trata-se de um campo que iria repensar o nacional-desenvolvimentismo nos seus moldes clássicos, propondo ações que concebam o estado como indutor do desenvolvimento e uma importante ferramenta estratégica para a consolidação da soberania nacional.
Ao mesmo tempo, esse político tradicional de alta perspicácia intelectual conseguia atualizar o desenvolvimentismo para as condições do século XXI.
Por político tradicional entendemos aquele dirigente que há anos faz parte e possui peso no debate nacional. Foi governador, Ministro de Estado duas vezes. Para muitos de nós, seu discurso programático foi uma grande surpresa no cenário político nacional. Afinal, como não havíamos escutado Ciro Gomes antes?
Vindo do Brasil Profundo, do sertão do Ceará, Ciro reconhecia o legado dos governos democrático-populares de Lula e Dilma. O responsável pela transposição do Rio São Francisco reconhecia não somente essa obra que estava paralisada desde o período imperial, como também reconhecia que durante os governos petistas o poder de compra do trabalhador brasileiro ampliou significativamente, com um salário tão forte como durante o governo de João Goulart.
Ciro propunha entre 2016 e 2018 um sentido bem desenhado de desenvolvimento. A proposta era avançar ainda mais o legado desenvolvimentista gerado durante os governos petistas. Era uma crítica diplomática, de um aliado que fazia parte do mesmo campo. Saudável e equilibrada, sua posição chegava a animar até mesmo alguns militantes petistas.
Durante o ano de 2018, Ciro denunciou a obsessão persecutória de Sergio Moro contra Lula. Chegou até mesmo a defender atitudes heroicas, como levar o ex-presidente a uma embaixada para solicitar asilo político. Entretanto, por conta das divergências dentro do próprio campo da esquerda, não foi possível garantir a aliança eleitoral de Ciro e Lula.
A partir de então, Ciro começa a adotar um tom mais iracundo contra a base petista.
Não vamos gerar um desgaste ainda maior com a postura de Ciro, expondo por vezes seu vocabulário chulo nos vídeos e redes sociais. Não é essa nossa intenção. Porém, cabe lembrar que quem assume o tom “polarizador” no pior sentido do termo é o pedetista, que agora adota uma postura de ex-companheiro de trincheira.
O ano é 2022. Aquele Ciro que conseguia se manter numa sintonia fina com o campo progressista já não existe mais. Se em 2018 a grande maioria da militância trabalhista foi às ruas pedir votos para Fernando Haddad, atualmente vemos infelizmente alguns colegas dizerem que irão votar nulo em um eventual segundo turno. Há outros que pensam em apoiar até mesmo Bolsonaro. Mais do que indignação, ver o projeto nacional de desenvolvimento errar na sua composição tática e estratégica é motivo de muita tristeza e decepção.
Diante disso, nós que apoiamos Ciro entre 2016 e 2019 clamamos a aqueles que possuem a mesma visão a não vacilarem, apoiando a única candidatura capaz de derrotar o bolsonarismo já no primeiro turno. Não se trata de voto útil. É uma necessidade histórica, algo que, mais uma vez, lamentamos ver Ciro Gomes, uma figura ímpar para pensar o desenho institucional do país, ser incapaz de enxergar essa quadra da história. Diante disso, convocamos militantes trabalhistas e dissidentes a apoiarem o ex-presidente Lula no primeiro turno.
Saudações fraternas e Brizolistas!”
Reportagem de Caroline Oliveira, da Brasil de Fato.
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