Enfrentando resistência de setores do próprio partido e lutando contra uma possível corrente pelo “voto útil” a favor de Lula na reta final do primeiro turno da eleição presidencial, o candidato do PDT, Ciro Gomes, teve que lidar com mais um duro golpe em suas pretensões eleitorais para 2022. Líderes de esquerda de diversos países da América Latina assinaram uma carta pública pedindo que ele renuncie à candidatura e anuncie apoio a Lula.
Entre os signatários estão o militante de direitos humanos argentino Adolfo Pérez Esquivel, vencedor do prêmio Nobel da Paz em 1980; o ex-presidente do Equador Rafael Correa; além de outros políticos, representantes do judiciário, da imprensa, da cultura e de diversos outros setores. O texto conta com apoio de pessoas de países como Chile, Equador, Bolívia, Venezuela, México, Peru, Guatemala e Porto Rico.
“A eleição no fim não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, e sim entre fascismo e democracia. E você, um homem político inteligente e com ampla experiência nas costas, sabe muito bem que sua candidatura não tem absolutamente nenhuma chance de chegar ao segundo turno, menos ainda de garantir uma vitória no primeiro turno”, pontua o documento.
Para os signatários da carta, a candidatura de Ciro tira força do bloco antifascista e dá mais espaço para Bolsonaro tentar um golpe de Estado. O texto destaca que Ciro “não está em condições de fazer o bem”, apesar de suas boas intenções, e lembra que as chances dele ganhar a eleição são “iguais a zero”. O grupo, que tem dezenas de signatários, deixou aberta a possibilidade de receber novas adesões por e-mail, no endereço cirorenuncia@gmail.com.
“Ao enfraquecer uma candidatura única de Lula, ao dispersar as forças do bloco que se opõe ao fascismo, o que você efetivamente fará (independente de suas intenções, que sabemos que são boas), será facilitar o caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder”, diz o texto. “Não temos dúvida de que você seguirá como uma figura protagonista da política brasileira nos próximos anos. Esta não é sua hora, as circunstâncias te obrigam a esperar. Mas não se esqueça que a paciência é um dos traços dos grandes líderes políticos”, conclui.
Leia a íntegra da carta e os nomes de alguns de seus signatários:
Carta aberta a Ciro Gomes: o que fazer para parar Bolsonaro
20 de setembro de 2022
Querido companheiro Ciro Gomes
Nós, abaixo assinados, somos militantes da esquerda latinoamericana, profundamente anti-imperialistas e comprometidos com a emancipação de nossos povos e a criaçao da Pátria Grande. Também somos pessoas que amamos e admiramos o Brasil e seu povo e sua cultura única: sua música, sua literatura, sua pintura, sua gastronomia e suas diversas manifestações artísticas, além da longa luta de seu povo por uma vida mais plena, de maneira espiritual e material.
Sabemos que você foi, durante toda sua vida, um lutador pelas boas causas do povo brasileiro. Por isso a perplexidade nos leva a escrever essa carta e nos leva a enviar essa mensagem fraternal: para nós é incompreensível, na conjuntura brasileira atual, sua insistência em manter sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais do Brasil no dia 2 de outubro, eleições que, sem qualquer exagero retórico, podem ser consideradas um divisor de águas histórico. Por quê? Por que a eleição no fim não será entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, e sim entre fascismo e democracia. E você, um homem político inteligente e com ampla experiência nas costas, sabe muito bem que sua candidatura não tem absolutamente nenhuma chance de chegar ao segundo turno, menos ainda de garantir uma vitória no primeiro turno. A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, querido companheiro Ciro, isso só vai servir para dividir forças, diminuindo a força do bloco antifascista, com todas suas contradições, e facilitar a vitória de Bolsonaro, o que pode até abrir caminho para um golpe de estado. Apesar de sua boa vontade, infelizmente você não está em condições de fazer o bem, nenhum bem, e sim de fazer um grande mal ao Brasil e a seu povo. Não poderá fazer o bem, apesar de suas intenções, pois suas chances de ganhar são iguais a zero. Ao enfraquecer uma candidatura única de Lula, ao dispersar as forças do bloco que se opõe ao fascismo, o que você efetivamente fará (independente de suas intenções, que sabemos que são boas), será facilitar o caminho para a perpetuação de Bolsonaro no poder.
Acreditamos que, por sua trajetória, você não deve entrar na história do Brasil por essa porta indigna: um homem que, tendo lutado pelas boas causas de seu povo e conseguido importantes resultados, na hora mais crítica e decisiva para seu país comete um erro monumental e abre as portas para um processo que vai semear morte e destruição em seu país que, sem dúvida, vai fazer de você também uma das vítimas. Não é possível ignorar a natureza perversa do atual presidente do Brasil. Suas palavras e suas promessas, inclusive as que pode ter feito a você, não têm nenhum valor. Bolsonaro é um personagem imoral, um alucinado, fanático, carente de princípios morais e que deixou morrer mais de 700 mil brasileiras e brasileiros sem fazer o menor esforço para salvá-los. Além disso, ele é um grande traidor, que só pode ser comparado aos piores personagens de Shakespeare. E não vai hesitar um instante em te trair assim que for conveniente.
Ainda está em tempo de corrigir seu erro, companheiro Ciro. Fale agora mesmo a seus seguidores, dizendo que a urgência da luta contra o fascismo não deixa outra opção se não apoiar a candidatura de Lula. Peça a eles esse voto, fundamental para derrotar em primeiro turno o capitão (sim, com minúsculas) e seus esquadrões armados; fundamental também para impedir a perpetuação no poder de um homem que exaltou a figura do canalha que torturou Dilma Rousseff. Você, por sua história e seus ideais, tem que fazer o impossível para impedir que tal figura monstruosa permaneça por mais um dia sequer no Palácio do Planalto. Além disso, não temos dúvida de que você seguirá como uma figura protagonista da política brasileira nos próximos anos. Esta não é sua hora, as circunstâncias te obrigam a esperar. Mas não se esqueça que a paciência é um dos traços dos grandes líderes políticos.
Sem mais para o momento. Esperamos que saiba apreciar o caráter solidário desta mensagem. Receba um fraternal abraço de seus companheiros de luta de toda América Latina e do Caribe.
Assinam:
Adolfo Pérez Esquivel, Premio Nobel de la Paz, Argentina
Rafael Correa, ex presidente del Ecuador
Stella Calloni, periodista, Argentina
E. Raúl Zaffaroni, ex Juez de la Corte Suprema, Argentina
Atilio Boron, politólogo, Argentina
Piedad Córdoba, Senadora, Colombia
Amado Boudou, ex vicepresidente de la Argentina
Gabriela Rivadeneira, ex presidenta Asamblea Nacional, Ecuador
Fernando Buen Abad, filósofo, México
Ignacio Ramonet, periodista, Francia/España
Ernesto Villegas, República Bolivariana de Venezuela
Hugo Moldiz, ex ministro, Bolivia
Jaime Lorca, Fundación Memoria y Futuro, Chile
Xavier Lasso, periodista, Ecuador
Katu Arkonada, País Vasco/Bolivia
Jorge Lara Castro, ex canciller, Paraguay
Hernando Calvo Ospina, cineasta, Colombia
Esteban Silva, docente universitario, Chile
María Seoane, periodista, Argentina
Mempo Giardinelli, escritor, Argentina
Juan Eduardo Romero, diputado PSUV, Asamblea Nacional, Venezuela
Alicia Entel, docente universitaria, Argentina
Gilberto López y Rivas, antropólogo, México
Daniel Jadue, Alcalde de Recoleta, Chile
Telma Luzzani, periodista, Argentina
Florencia Saintout, presidenta, Instituto Cultural de la provincia de Buenos Aires, Argentina
Ramón Grossfogel, docente universitario, Puerto Rico
Mario Giorgi, Radio UNDAV, Argentina
Claudia V. Rocca, Rama Argentina de la Asociación Americana de Juristas
María Fernanda Barretto, escritora colombo-venezolana
Daniel de Santis, docente universitario, Argentina
José Seoane, docente universitario, Argentina
Paola Gallo Peláez, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
Jorge Cantor, Argentina
Rodolfo Hamawi, docente universitario, Argentina
Emilio Taddei, docente universitario, Argentina
Julio Ferrer, periodista, Argentina
Juan Ramón Quintana Taborga, ex ministro, Bolivia
Andrea V. Vlahusic, Co-presidenta del MOPASSOL, Argentina
Héctor Bernardo, periodista, Argentina
María Fernanda de la Quintana, periodista, Argentina
Jorge Elbaum, docente universitario, Argentina
Carlos López López, Parlamentario del Mercosur
Ana María Ramb, escritora, Argentina
Pamela Dávila, periodista, Ecuador
Rafael Urrejola Ditborn, periodista, Chile
Paula Klachko, docente universitaria, Coord. REDH/Cap. Argentino
Henry Morales, Coord. Movimiento Tzuk Kim Pop, Guatemala
Manuel Santos Iñurrieta, dramaturgo, Argentina
Carlos Bedoya, Coord. Latindadd, Perú
Alexia Massholder, docente universitaria, Argentina
Claudio Katz, economista, Argentina
Marcelo Rodríguez, docente universitario, Argentina
Mario Alderete, Argentina
Graciela Josevich, AUNA Argentina
Reportagem de Felipe Mendes, da Brasil de Fato.
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