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Em sessão híbrida nesta segunda-feira (29), o plenário da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) deu sequência aos debates do Mês da Consciência Negra. Depois de pouco mais de seis horas de discussão, os vereadores acataram, em primeiro turno, proposta para reservar 20% das vagas em concursos da administração direta e indireta do Município para a população negra e indígena. A justificativa é promover a igualdade racial e diminuir as desigualdades sociais na capital do Paraná.

O projeto, de iniciativa da vereadora Carol Dartora (PT), tramita na CMC desde janeiro deste ano (005.00033.2021). O texto submetido a plenário, acatado com 30 votos favoráveis e 6 contrários, foi um substitutivo, assinado por mais 19 vereadores, protocolado na última sexta-feira (26). A principal mudança é que a implementação das cotas será gradual. Ou seja, deve começar com a reserva de 10% das vagas, a partir da data da publicação da lei, e ter o acréscimo, a cada dois anos, de 2%, até o Município chegar ao percentual de 20% (031.00114.2021).

A matéria indica a autodeclaração, conforme critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como requisito inicial para a inscrição às vagas reservadas. Em negociação com o Executivo, foi estabelecido que a homologação decorrerá de “heteroidentificação pautada na fenotipia”, conforme critérios e procedimentos definidos em decreto e no edital do concurso ou do processo seletivo.

Com o aval à proposição de diversos vereadores, ficou prejudicado o outro substitutivo, apresentado, pela Comissão de Educação, Cultura e Turismo, por iniciativa da presidente colegiado, Amália Tortato (Novo), em agosto passado,. A ideia era implantar as cotas sociais, para candidatos com renda familiar per capita mensal de até um salário-mínimo e meio e que tenham cursado o Ensino Médio na rede pública ou como bolsistas (031.00059.2021).

O debate de pouco mais de seis horas, com a participação de 15 parlamentares, começou no espaço do pequeno expediente, com falas dos vereadores da bancada do PT, Carol Dartora, Professora Josete e Renato Freitas, em saudação aos movimentos sociais que acompanhavam a sessão plenária.

Os argumentos favoráveis às cotas étnico-raciais, em geral, defenderam uma política de reparação e que o racismo vai além da questão econômica. Na outra ponta, vereadores que defendem as cotas sociais em substituição ao critério étnico criticaram o chamado “tribunal racial” e a subjetividade da outra proposta.

“Hoje nós temos 25.265 servidores municipais e apenas 4.318 são negros, nos mais baixos cargos e salários”, disse Dartora, a primeira vereadora negra de Curitiba. “O que está acontecendo aqui é um momento histórico, para que a gente possa reparar e minimizar esse sistema de opressão que é o racismo estrutural. A diversidade é normal na natureza, negar a diversidade humana é um absurdo.”

“As cotas raciais são subjetivas, questionáveis, humilhantes, degradantes”, opinou Amália Tortato. A análise fenotípica do candidato, declarou a parlamentar, representa um “tribunal racial” e uma “verdadeira caça às bruxas”. “Esse sim [cotas sociais] é um critério objetivo. São números. É renda. É a escola onde o candidato estudou”, continuou.

Racismo estrutural

“Sou uma pessoa que foi diretamente atingida pelo racismo a vida toda. Pela cor da minha pele, pelo formato do meu nariz, pela textura do meu cabelo. O racismo me impactou de todas as formas, de forma simbólica e de formas objetivas”, citou Carol Dartora. Mestre em Educação e especialista em relações étnico-raciais, ela lembrou que o projeto de cotas foi sua primeira proposta na CMC, construída junto ao Executivo e aos movimentos sociais, chegando à pauta no Mês da Consciência Negra por meio do diálogo “muito sensível” articulado pelo presidente da Casa, Tico Kuzma (Pros).

“É importante dizer que cota não é esmola, não é favor. Cota é reparação e vai ao encontro de promover a igualdade no sentido amplo”, completou. A autora enumerou cidades paranaenses e país afora com cotas étnico-raciais: “Não é uma novidade, não é uma inovação. E Curitiba está atrasada para fazer isso”.

“Isso que está sendo chamado de tribunal racial é muito cruel. […] Desde que esse país nos trouxe sequestrados de África, nos explorou, nos violentou de todas as formas, quem vive em um tribunal racial somos nós. Somos nós que somos mortos por sermos negros. Que temos as portas fechadas por sermos negros”, rebateu Dartora. “No nosso país, o racismo se dá pelo fenótipo. Por como a pessoa parece ser. Quanto mais escura a pele, maior o racismo que ela sofre. Por isso as bancas preveem a heteroidentificação.”

“Eu também sou produto das cotas raciais e me orgulho disso”, afirmou Renato Freitas. Citando experiências de racismo, o parlamentar apontou que “você pode ter o dinheiro para pagar, mas você nunca vai ser visto como uma pessoa branca”. “A questão social, econômica, não é igual à questão racial. Sempre alguém julgando você pelos olhos, diminuindo você”, comparou. “Você pode ter dinheiro. A falta de oportunidades é por você ser negro. Você tem uma Ferrari, mas você é negro.”

Herivelto Oliveira (Cidadania) chegou a sugerir que Amália Tortato retirasse o substitutivo da Comissão de Educação, para que a proposta fosse discutida em um segundo momento. “As cotas sociais também são de suma importância”, ponderou.

“Não vejo nada contra um projeto de cotas sociais no futuro. Mas isso não substitui de forma alguma um projeto de cotas raciais”, observou Professor Euler (PSD). Ele frisou que “quanto mais vai afunilando a pirâmide social, mais branca ela fica. Diante disso, o serviço público precisa refletir essa variedade da população”. “Uma pessoa negra, mesmo que ela seja rica, ela vai continuar sendo negra e consequentemente vai continuar sofrendo preconceito racial. Muitas pessoas vão pensar que é o motorista e até que roubou aquele carro.”

Dalton Borba (PDT) concordou que “o negro é julgado diariamente por um tribunal racial enraizado na sociedade brasileira”, com base “em seu arquétipo, seu visual”. “O único local da sociedade brasileira em que prevalece o negro são as penitenciárias. Porque a estrutura foi feita para o branco”, disse. “Não se trata de benefício. Trata-se de uma compensação.”

Professora Josete lembrou também da exclusão e da invisibilização dos povos indígenas e ciganos. “Ninguém aqui afirmou que as cotas vão resolver o problema do racismo estrutural. As cotas são paliativas. A geração atual tem direito sim a ser incluída”, expôs. Maria Leticia (PV) criticou “a farsa do país miscigenado e feliz que a gente ouve. “A sociedade brasileira é racista, todos nós sabemos disso. A lógica das cotas é fazer a inclusão”, afirmou. “É muito fácil comprovar isso. É só buscar pessoas negras em espaços de poder. Quantos médicos negros vocês conhecem? […] É complicado ouvir pessoas que negam o racismo estrutural.”

“A população negra deste país foi punida por leis que eram produzidas pelos Parlamentos. Quando o Parlamento faz um reparo ao sofrimento, de direitos que foram conquistados através de muita luta, esta Casa cumpre seu papel de uma Constituição cidadã, de dar a condição de igualdade de acesso”, afirmou Serginho do Posto (DEM). “A gente tem que voltar [nas pesquisas] para a realidade do nosso país. [Aos] 300 anos de escravatura. Não é um benefício”, acrescentou Noemia Rocha (MDB).

Cotas sociais

Com a rejeição do racismo e do preconceito, os vereadores Indiara Barbosa (Novo) e Eder Borges (PSD), além de Amália Tortato, defenderam a proposta das cotas sociais. “O racismo não é aceitável em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância”, afirmou Amália, lembrando o apoio ao Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir) e a outras pautas do Mês da Consciência Negra.

Com base nos estudos de Thomas Sowell, sobre ações afirmativas ao redor do mundo, Amália declarou que “o resultado em todos esses países, invariavelmente, foi sempre o mesmo: aumento da sensação de injustiça, entre os grupos beneficiados ou não. Maior tensão racial. E a cereja do bolo, o que nós pretendíamos combater, a discriminação, o racismo, foi ainda mais acentuado”. A vereadora reclamou da “máquina de moer reputações” do PT e da esquerda, ao ser acusada de racismo.

“Reconheço sim que existe racismo no nosso país, na nossa cidade. A maior divergência está na forma de solucionar o problema”, declarou Indiara Barbosa. Ela declarou ser contrária às cotas, mas avaliou que a melhor opção seriam a proposta da colega de bancada, por se tratar de um sistema objetivo. A vereadora ainda propôs a discussão sobre o prazo de discussão da política implementada. “Eu acredito que o principal foco [contra as desigualdades] tem que ser a educação, principalmente a Educação Básica.”

Eder Borges definiu o tema como “extremamente complexo, delicado, de difícil resolução” e declarou apoio às cotas sociais. “É injusto nós culparmos a cidade, chamarmos a cidade de racista”, opinou. “Sim, é outro projeto. Mas se for para falarmos em cotas, faz muito mais sentido falarmos em cotas sociais.” O principal questionamento feito às cotas étnico-raciais foi à heteroidentificação dos candidatos, citada no artigo 4º: “Isso é sim um tribunal racial, queira ou não. É uma banca que vai jugar aquele candidato por sua cor de pele ou por sua origem étnica”.

Encaminhamento e subemendas

Líder do prefeito na Casa, Pier Petruzziello (PTB) liberou o voto da base: “A votação fica bastante tranquila, bastante equilibrada, para que cada um conduza da forma que achar melhor”. Ele salientou o diálogo com o Executivo para a construção do texto, porque “no final das contas, o que importa é a cidade das pessoas”. No encaminhamento favorável, Osias Moraes (Republicanos) denunciou o racismo “entranhado” na sociedade brasileira. “Eu sou negro, meu avô é índio, e minha avó cearense. Será que eu passaria na avaliação [da banca de heteroindentificação]?”, continuou.

Autor de emenda para incluir na reserva de cotas à população cigana, reapresentada como subemenda às cotas progressivas, Tito Zeglin (PDT) pediu apoio à proposta (036.00036.2021). Ele destacou a ajuda da comunidade cigana, formada por cerca de 500 famílias, à construção do Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir) e o racismo que a etnia ainda enfrenta.

“Incluir a população cigana neste projeto é reconhecer a promoção de igualdade, de oportunidades e a redução das desigualdades sociais, bem como a reparação histórica e a garantia de inclusão social”, disse Zeglin. Já Petruzziello, no encaminhamento contrário, justificou que a ideia foi levada ao Executivo, mas não teria respaldo na legislação federal. A proposta teve 21 votos contrários, 11 favoráveis e 3 abstenções.

Também foi rejeitada emenda, assinada pelas vereadoras do Novo, que previa a redução gradual da reserva das vagas – o percentual começaria em 20% e, após 10 anos, seria descontinuado. “Que isso seja invertido. Esse é o argumento da vereadora Carol, que com o aumento dos negros no serviço público, outros negros se inspirariam”, justificou Amália. O placar foi de 29 votos contrários, 6 favoráveis e 1 abstenção (036.00039.2021).

Três subemendas foram retiradas pelos autores (036.00038.2021, de Amália Tortato e Indiara Barbosa; 036.00040.2021 e 036.00041.2021, de Eder Borges). Outra proposição, de Amália Tortato, para a implementação decrescente das cotas sociais, ficou prejudicada porque tinha como alvo o substitutivo da Comissão de Educação (036.00037.2021).

Contraponto e movimentos sociais

O vereador negro Fernando Holiday (Novo), da cidade de São Paulo, em vídeo exibido por Amália Tortato, se posicionou a favor das cotas sociais. Ele alertou ao “tribunal racial” e opinou que falta objetividade para definir quem se enquadra no sistema de cotas raciais, devido à miscigenação no país. Já Professor Euler exibiu fala de apoio do diretor executivo do Educafro, o frei Davi Raimundo dos Santos, que desde a década de 1990 luta pelas cotas étnico-raciais no ensino superior.

A advogada Dora Lucia Bertulio, procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), defendeu em plenário as cotas étnico-raciais como proposição afirmativa contra a invisibilização dos negros de Curitiba, que junto aos indígenas somariam 25% da população da capital. “A população negra não está sub-representada por sua pobreza, mas por sua negritude”, argumentou.

Também acompanharam a sessão a assessora especial de Direitos Humanos de Curitiba, Marli Teixeira dos Santos; a procuradora de Justiça Miriam de Freitas Santos, do Núcleo de Promoção de Igualdade Racial do Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR); a defensora pública da União Rita Cristina Oliveira; a subdefensora pública-geral do Paraná, Olenka Martins Rocha; Kixirra, representante da etnia indígena Jamamadi; o padre Eguione Nogueira, assessor da Dimensão Social da Arquidiocese; o presidente do PT de Curitiba, Ângelo Vanhoni; a professora Meg Rayara, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFPR; a presidente da Comissão de Igualdade Racial da OABPR, Andreia Vitor; a articuladora nacional da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Léo Ribas; a coordenadora do Núcleo Sul da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt; a coordenadora do Marmitas da Terra, Adriana Oliveira; a professora Lucimara Dias, do Núcleo Ereyá, da UFPR; o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua do Paraná, Leonildo Monteiro Filho; e o professor Hermes Leão, da APP Sindicato, dentre outros representantes de movimentos sindicais.

Ainda dentro da pauta do Mês da Consciência Negra, dois projetos de lei foram ratificados em plenário, nesta manhã. Seguem para a sanção do Executivo a criação do 1º Plano Municipal de Promoção da Igualdade Étnico-Racial de Curitiba (Plamupir), documento que consolida as diretrizes para o enfrentamento do racismo e da violência contra a população negra, indígena, cigana e outros grupos étnicos historicamente discriminados e denominação em homenagem aos Irmãos Rebouças.

ASCOM – CMC.

guazelli

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