O Senado vai analisar em agosto um dos projetos mais importantes para a pauta fiscal do Poder Executivo. Trata-se da restauração do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), proposto no projeto de lei (PL) 2.384/2023, que devolve à Fazenda Nacional o poder de desempatar julgamentos de processos administrativos sobre dívidas tributárias. Ele foi aprovado pela Câmara dos Deputados no início do mês e agora precisa do aval dos senadores.
Com a medida, o Planalto espera turbinar a arrecadação a tempo de fechar a Lei Orçamentária Anual para 2024. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), estima que a retomada do desempate no Carf pode trazer pelo menos R$ 15 bilhões para o caixa da União, na forma de dívidas tributárias recuperadas.
— A aprovação desse projeto de lei será indispensável para o esforço fiscal que o governo e o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad estão fazendo. É a reconfiguração do Carf nos termos devidos – definiu.
Os julgamentos do Carf acontecem em câmaras compostas por igual número de representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. Até 2020, quando havia empate nas decisões, valia o voto do presidente da câmara, que é sempre um representante da Fazenda. Isso mudou com a Lei 13.988, que se originou na chamada MP do Contribuinte Legal (MP 899/2019). Um dispositivo da lei extinguiu o voto de qualidade nos processos administrativos de determinação e exigência de crédito tributário. No novo formato, os contribuintes teriam a vantagem nas votações que terminassem empatadas. A regra foi acrescentada durante a tramitação da MP na Câmara, mantida pelo Senado e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro.
O governo atual tentou desfazer a mudança duas vezes. Primeiro através de medida provisória (MP 1160/2023), numa das primeiras iniciativas legislativas enviadas no início da gestão. A tramitação, porém, nunca andou: a comissão mista, primeira etapa de análise, não chegou a ser instalada. Assim, a MP perdeu a validade ao fim do seu prazo máximo de quatro meses. O governo enviou o PL 2.384/2023 em maio, mantendo vivo o tema.
Randolfe tentou articular a votação do projeto ainda em julho, antes do recesso parlamentar, mas não houve acordo. O tema encontra resistência dentro do Senado. O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), disse desconfiar das motivações do governo e afirma que elas sinalizam para uma distorção das decisões do Carf.
— A nossa preocupação é que há uma sanha arrecadatória do governo que pode ultrapassar a questão da justiça tributária. Qual é o conhecimento que existe sobre os processos que tramitam no Carf? De fato são processos em que o ganho de causa deveria ser dado ao governo? Se [o projeto] passar, estamos entregando ao governo uma condição persecutória em relação ao sistema tributário brasileiro.
Para o senador Marcelo Castro (MDB-PI), favorável à proposta, a distorção se dava no formato introduzido pela lei de 2020.
— É uma volta à normalidade. Como o Carf é paritário e o empate era a favor do contribuinte, [os representantes] podiam se combinar para sempre dar empate e ganharem a questão. O projeto traz um avanço muito grande e vai trazer uma arrecadação muito boa que era devida e que o governo estaria perdendo com essa mudança indevida que houve no governo passado.
Já o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) entende que o governo não terá o ganho arrecadatório que imagina, e alerta para um aumento de judicializações das decisões do CARF se a mudança na lei for revertida
— Existe uma diferença entre o que o governo quer e o que de fato vai acontecer. O CARF é um julgamento administrativo. O desempate não significa fim. O voto [de desempate] com a União não quer dizer que os contribuintes vão pagar. Quem perdeu vai para a Justiça, vai recorrer.
Diante das objeções colocadas, o governo costurou na Câmara dos Deputados um acordo que suaviza os resultados dos julgamentos já afetados pelo voto de desempate graças à MP 1.160/2023. O texto que chega ao Senado já incorpora essas inovações. Nas decisões com o voto de desempate serão excluídas as multas, o contribuinte poderá parcelar o valor devido sem juros e a Receita Federal não representará contra o devedor no Ministério Público por crime tributário. Essas exceções valem para os casos já julgados pelo Carf e ainda pendentes de análise pelo Tribunal Regional Federal competente quando a futura lei for promulgada.
A mudança no Carf ganhou destaque na semana passada quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recebeu os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, para oficializar a chegada da reforma tributária (PEC 45/2019) ao Senado. Na ocasião, Pacheco pontuou que o projeto para restaurar o voto de desempate da União é uma “reivindicação” conjunta dos ministros, e acenou com a votação em agosto. O projeto terá que passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Ele está em regime de urgência e já ultrapassou o prazo de 45 dias estabelecido pela Constituição, o que significa que ele passa a trancar a pauta das Casas do Congresso.
Agência Senado.
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