Na carta aos jornalistas da emissora, vazada nesta segunda-feira (4) por Mônica Bergamo em sua coluna Folha de S.Paulo, o diretor da central Globo de jornalismo, Ali Kamel, conta detalhes da apuração jornalística sobre as anotações e o depoimento do porteiro do condomínio Vivendas da Barra envolvendo Jair Bolsonaro nas investigações sobre o assassinato de Marielle Franco (PSol) e Anderson Gomes.

Kamel insinua também que a Globo teria sido vítima de uma armação, um conluio feito entre aliados próximos e o advogado Frederick Wassef, que faz a defesa do presidente, para que se articulassem para um ataque à emissora, o que aconteceu logo após a reportagem ir ao ar no Jornal Nacional, com a live transmitida por Jair Bolsonaro direto da Arábia Saudita, às 4h da manhã no horário local. O objetivo seria justamente destruir a reputação da emissora.

“Em meio a essa apuração da Rio (que era feita de maneira sigilosa, com o conhecimento apenas de Bonner, Vinicius, as lideranças da Rio e os autores envolvidos, tudo para que a informação não vazasse para outros órgãos de imprensa), uma fonte absolutamente próxima da família do presidente Jair Bolsonaro (e que em respeito ao sigilo da fonte tem seu nome preservado), procurou nossa emissora em Brasilia para dizer que ia estourar uma grande bomba, pois a investigação do Caso Marielle esbarrara num personagem com foro privilegiado e que, por esse motivo, o caso tinha sido levado ao STF para que se decidisse se a investigação poderia ou não prosseguir. A editoria em Brasilia, àquela altura, não sabia das apurações da editoria Rio. Eu estranhei: por que uma fonte tão próxima ao presidente nos contava algo que era prejudicial ao presidente? Dias depois, a mesma fonte perguntava: a matéria não vai sair?”, escreve Kamel na carta, insinuando que pessoas próximas a Bolsonaro acompanhavam a apuração da reportagem.

A estratégia passaria também por sonegar à emissora a informação de que havia um áudio com gravação que seria de Ronnie Lessa autorizando a entrada do ex-PM Elcio Queiroz no dia do assassinato de Marielle. Wassef, no entanto, não teria feito nenhum menção a isso em entrevista pouco antes da reportagem ser divulgada.

“Hoje sabemos que o advogado do presidente, no momento em que nos concedeu entrevista, sabia da existência do áudio que mostrava que o telefonema fora dado, não à casa do presidente, mas à casa 65, de Ronnie Lessa. No último sábado, o próprio presidente Bolsonaro disse à imprensa: “Nós pegamos, antes que fosse adulterada, ou tentasse adulterar, pegamos toda a memória da secretária eletrônica que é guardada há mais de ano”.

Por que os principais interessados em esclarecer os fatos, sabendo com detalhes da existência do áudio, sonegaram essa informação? A resposta pode estar no que aconteceu nos minutos subsequentes à publicação da reportagem do Jornal Nacional.

Patifes, canalhas e porcos foram alguns dos insultos, acompanhados de ameaças à cassação da concessão da Globo em 2022, dirigidos pelo presidente Bolsonaro ao nosso jornalismo, que só cumpriu a sua missão, oferecendo todas as chances aos interessados para desacreditar com mais elementos o porteiro do condomínio (já que sabiam do áudio)”, diz a nota de Kamel.

O diretor da Globo confessa ainda que em 37 anos de profissão nunca imaginou que o jornalismo fosse usado “de forma tão esquisita”.

“Mas continuamos a fazer jornalismo. Revelamos que a perícia no sistema de interfone foi feita apenas um dia depois da exibição da reportagem e num procedimento que durou somente duas horas e meia, o que tem sido alvo de críticas de diversas associações de peritos”, afirma Kamel.

O porteiro, que não teve o nome divulgado até o momento, deve ser convocado para prestar um terceiro depoimento nos próximos dias. E não será surpresa que ele negue o que confirmou nas duas oitivas anteriores, que foi “Seu Jair” quem liberou a entrada de Élcio Queiroz no condomínio horas antes do assassinato de Marielle e Anderson.

 Revista Fórum.

guazelli

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