A demora nas negociações para o anúncio da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e dos ministros que irão compor o governo sinalizam a dificuldade em se construir consensos em um grupo amplo de partidos e lideranças políticas do entorno do petista.

Porém, alguns gestos, decisões e escolhas de nomes deixam sinais dos rumos que Lula pretende dar à sua administração. Se o governo segue cauteloso em relação à economia, já explicita ao mundo sua preocupação com a questão climática e a disposição de antagonizar com o presidente Jair Bolsonaro (PL) no setor, com negociações avançadas para a nomeação dos ministros do Meio Ambiente e dos Povos Originários.

Alguns sinais deixados por Lula em entrevistas e discursos foram suficientes para que o cientista político Ivan Fernandes, professor de Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), entendesse quais devem ser as prioridades do governo petista em seus seis primeiros meses.

“Eu acho que o tema central que pautará o governo Lula será o combate à fome e pobreza, com ampliação dos programas sociais. Eu acho que o governo Lula baterá na tecla da reconstrução do aparato de proteção social brasileiro”, explica Fernandes.

Lara Mesquita, cientista política da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda e amplia as possibilidades de temas. “Já existem indicações claras de que as prioridades serão as relações internacionais e trabalhar na recuperação da imagem do país. Relacionado a isso, mas não só, está a questão ambiental. A ida à COP27 e a aproximação da Marina são sinais. E claro, o combate à fome e miséria. Sem sombra de dúvida, isso está no cerne do início de governo.”

Apoiado por nove partidos no primeiro turno, Lula ampliou seu arco de alianças no segundo turno e garantiu o isolamento de Jair Bolsonaro. No entanto, agora corre para garantir um projeto que não sofra com obstáculos colocados por um Congresso Nacional que segue ansioso por sinais do presidente eleito.

Em busca da estabilidade institucional, Lula esteve em Brasília na última quarta-feira (9), em sua primeira ida à capital federal desde a eleição, e foi visitar Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado.

Lira, que apoiou a reeleição de Bolsonaro, pretende se candidatar para presidir a Casa novamente. Para tanto, não esconde que busca o apoio de Lula. Com o aval do petista, o caminho pode estar livre para que o parlamentar esteja à frente da Câmara dos Deputados novamente. Do outro lado, o presidente eleito pode ter o trânsito facilitado com o centrão.

Fernandes acredita que a aliança esteja encaminhada. “O governo Lula encontrará uma posição dócil, seja no Congresso ou na opinião pública, na reconstrução do aparato de proteção social. Esse debate o PT venceu. A resistência que existia às políticas afirmativas foi desarmada, são ações que serão muito bem-vistas”, explicou o professor da UFABC. Ele, no entanto, vê limites para essa relação.

“Agora, se o governo optar por um Plano Nacional de Desenvolvimento ou intervencionismo econômico aos moldes do que foi feito no governo Dilma, aí acho que o Lula encontrará muita resistência. Se ele for por um caminho mais moderado, com preocupação em sanar os problemas sociais, voltado para a economia competitiva como fez no primeiro governo, aí terá a simpatia da opinião pública e do Congresso.”

Para Lara Mesquita, “Lula é muito habilidoso ele está construindo esse ambiente para fazer avançar sua agenda política, ele está dialogando com todos os atores necessários e sinalizando que não será um governo da agenda petista, mas de reconstrução nacional e de recuperação das condições de vida da população.”

Para evitar dispersão no ambiente conciliatório, Lula pode evitar, no primeiro semestre, pautar assuntos de dissenso. “Acho que os temas econômicos não aparecerão na primeira agenda do governo, apesar da sociedade e, sobretudo, a imprensa exigir do governo uma posição pró-reformas liberalizantes. Mas nós ainda não temos essa resposta, se o Lula vai reeditar seu primeiro governo ou se tentará um novo projeto nacional de desenvolvimento. O governo me parece ter dúvidas dentro da coalizão que ganhou essa eleição sobre qual será a direção, as indicações apontam para uma agenda do PSDB clássico, do Covas e do Alckmin”, aponta Fernandes.  

Esperadas pela esquerda, a revogação das reformas pode não acontecer tão cedo, conforme explicou Mesquita. “Não me parece que há consenso que as revogações de reformas vão ser tratadas pelo próximo governo, nem mesmo dentro da base do Lula. Muito menos no Congresso. Eu acredito que esses temas não aparecerão nos primeiros meses.”

Reportagem de Igor Carvalho, da Brasil de Fato.

guazelli

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