Na linha de frente em processos que atingem Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF). Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições mais acirradas da história do Brasil. Desafios que fizeram o ministro Alexandre de Moraes assumir papel de destaque na relação entre os poderes nos últimos anos.
Sua conduta enérgica em diversas frentes no Judiciário despertou a ira do presidente e o transformou em inimigo número 1 dos bolsonaristas. Um perfil que juristas ouvidos pelo Brasil de Fato consideram adequado para enfrentar pressões e aguentar pancadas, especialmente após Moraes assumir a relatoria dos inquéritos das fake news e das milícias digitais, no início de 2019.
O advogado Fernando Neisser, doutor em direito penal, observa algumas características do seu campo presentes no comportamento do magistrado. Por exemplo, seu interesse em fomentar investigações e seu entendimento mais rígido sobre o cumprimento da legislação, que classifica com o termo em inglês law and order (lei e ordem).
“Ele era a pessoa certa para esse papel, na leitura do ministro Dias Toffoli, e eu concordo. Era preciso uma pessoa muito destemida, sem receio das pressões que poderia sofrer. E a presidência do TSE chega às mãos dele exatamente no início do período eleitoral. Eu acredito sinceramente que a gente dificilmente teria tido um desfecho democrático da eleição não fosse essa coincidência”, ressalta.
Em agosto deste ano, o paulistano Moraes, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), passou a encabeçar uma segunda frente de embate com o bolsonarismo. Isso após assumir a presidência do TSE em cerimônia que ficaria marcada por seu discurso contundente, aplaudido pela maioria das autoridades presentes – dentre eles os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e José Sarney -, mas ignorado por Bolsonaro.
“Somos uma das maiores democracias do mundo em termos de voto popular, estando entre as quatro maiores democracias do mundo. Mas somos a única democracia do mundo que apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia, com agilidade, segurança, competência e transparência. Isso é motivo de orgulho nacional”, disse Moraes ao fim do pronunciamento.
Com apoio recebido de diversas partes do campo democrático brasileiro e do exterior, o ministro intensificou o combate à desinformação e aos questionamentos infundados sobre o pleito. Perfis nas redes sociais e grupos em aplicativos de conversa foram cassados e até banidos, com a mesma agilidade com que propagandas partidárias foram analisadas e, em alguns casos, tiradas do ar e multadas.
Rédea curta com desinformação e golpismo
Foi a partir do caso das notícias falsas que surgiu um dos episódios policialescos da história recente do país. No dia 23 de outubro, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), aliado político de Bolsonaro, decidiu receber agentes da Polícia Federal em sua casa, em Comendador Levy Gasparian, no interior do RJ, com disparos de fuzil e granadas. Eles cumpriam mandado de prisão expedido por Moraes, após ofensas graves de Jefferson contra a Ministra Carmen Lúcia e o flagrante descumprimento dos termos da sua prisão domiciliar.
Embora posteriormente tenha chamado Jefferson de “bandido”, o presidente já havia exposto seu apoio à reação destemperada, quando relativizou a natureza da ordem de prisão, segundo ele, feita “sem nenhum respaldo na Constituição e sem a atuação do MP”. O suficiente para estimular o lado mais bélico e raivoso do bolsonarismo às vésperas de um tenso segundo turno.
Acusado por Bolsonaro e alguns juristas de tomar decisões “arbitrárias” nesses inquéritos, o ministro recebeu apoio de colegas da Corte e de jurisprudência por entenderem que a agilidade era fundamental para conter as ameaças da desinformação. É o caso de Inocêncio Uchôa, juiz do trabalho aposentado e membro emérito da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
“O ministro Alexandre de Moraes tem sido um exemplo de magistrado no Brasil. Deve ser elogiado e apoiado. Inclusive, acho que está na hora da sociedade sair em defesa das decisões do Alexandre de Moraes, não somente a Ordem dos Advogados do Brasil, mas outras entidades, como centrais sindicais, movimentos populares, associações religiosas e da sociedade civil, em geral”, expõe.
A reação golpista após a confirmação da vitória de Lula no segundo turno, em 30 de outubro, também entrou na mira do magistrado. Além de fixar multas pesadas para donos de veículos envolvidos em bloqueios nas rodovias, Moraes também congelou as contas de 43 empresários suspeitos de financiar atos antidemocráticos, pedindo “intervenção militar” às portas dos quartéis.
Hostilizado por bolsonaristas até em Nova York, onde esteve no início de novembro junto de outros ministros, o magistrado reagiu com sorrisos irônicos a xingamentos e gritos de “safado” e “ladrão”. Em solo norte-americano também se repetiu que Moraes é aliado de Lula, argumento central de quem questiona a legitimidade das suas ações, incutido em discursos do próprio Bolsonaro.
Cargos políticos sedimentaram o caminho do futuro ministro
Perto de completar 54 anos em 13 de dezembro, Moraes teve uma carreira meteórica na jurisprudência. Respeitado no mundo acadêmico por diversas teses apresentadas, há 20 anos decidiu dar um novo rumo à carreira de promotor ligado ao Ministério Público de São Paulo.
Em 2002, pediu exoneração para assumir o cargo de secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, nomeado pelo então governador Geraldo Alckmin. Foi também secretário de Transportes da capital paulista por Gilberto Kassab (PSD) em 2007 e voltaria a ser convidado por Alckmin a integrar a equipe do governo do estado, dessa vez como secretário de Segurança Pública.
A projeção nacional de Moraes começaria em 2016, quando foi convidado pelo ex-presidente Michel Temer para chefiar o Ministério da Justiça. Apesar dos desgastes com a opinião pública, foi nomeado para ocupar o assento do ministro Teori Zavascki, morto em um acidente de avião no litoral carioca.
De acordo com Neisser, a sua assunção levou à Corte características diferenciadas e que ajudaram a equilibrar a correlação de forças entre os poderes da República. “Diferente de outros ministros, como o Fachin, Rosa e Carmen, ele traz um diálogo com o mundo da política muito grande e sofisticado. Ele se relaciona com gente de muitos partidos, muitos lados. Ele sempre teve uma proximidade maior com partidos de direita e centro-direita, historicamente pelo caminhar dele”, aponta.
Embora tenha conquistado apoio de petistas em decisões de salvaguarda à democracia, também perseguiu e puniu práticas da campanha de Lula consideradas irregulares durante as eleições. O próprio Partido dos Trabalhadores o havia considerado “parcial” e “ilegítimo” para ascender ao STF, durante sua sabatina obrigatória realizada no Senado Federal.
Relação bem menos amistosa do que a desenhada pelo “metaverso” do bolsonarismo e passível de embates no próximo governo, de acordo com Uchôa. “Ele continuará sendo o ministro que é hoje, forte como sempre, que vai conduzir seus processos de forma absolutamente livre e como acha que deve ser feito com a legislação brasileira. O ministro não vai deixar de julgar, não há essa hipótese”, acredita.
“Não se deve ter uma ilusão de que o ministro Alexandre faz parte de certa forma de uma identidade de ideias com o presidente Lula. Mas tampouco acho que o ministro Alexandre vai ter uma posição contundente e contrária ao governo, acho que ele vai seguir naquilo que vem fazendo”, complementa Neisser.
O jurista também sublinha o papel que Mores terá à frente do TSE faltando um ano e meio para o fim do seu mandato. Na sua avaliação, o presidente do tribunal vai investir em criar uma estrutura executória e persecutória dentro do órgão para atuar contra as notícias falsas. Ágil, firme, mas, acima de tudo, permanente.
Casos envolvendo o atual presidente também devem ser encaminhados no futuro próximo. “Existe uma série de ações que tramitam contra o Bolsonaro e podem sepultar a vida política dele, podem deixá-lo inelegível por 8 anos, afastá-lo da vida pública por um tempo”, relembra Neisser.
Reportagem de Alex Mirkhan, da Brasil de Fato.
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